A visita.

Alice abriu a porta, pronta para saber quem tocara a campainha, distribuindo surpresa por todos os cômodos da casa e afastando sua presença de perto do marido acamado. O coração acelerou quando Camila inclinou ligeiramente o corpo e, sorrindo, disse um quase infantil "oi". Se recompôs, estava, afinal, recebendo uma amiga; senão sua, do esposo. Deveria tratar tudo como se não tivesse incômodo algum, nem soubesse de nada, quase um profissionalismo na tarefa de viver. Deu-se até ao inacreditável ato de abraçá-la e dizer-se muito feliz em vê-la, ao que disse o mesmo e, como facada, imediatamente perguntou sobre a situação do Marcelo.

— Ele sempre faltava muito às aulas, nunca nos deu sossego. Essa saúde dele...

Por que tinha sempre de relembrar que foram colegas de curso? Alice falhou e encurtou as conversas, começando a desviar o olhar para o chão ou as paredes, mas Camila permanecia como a boba impávida que era, ou mesmo uma dessas mulherzinhas que se fingem de inocentes; era como pensava. Vendo que não suportaria a visitante conversar consigo sobre Marcelo até sabe lá quando, a levou ao quarto. Alice tornara-se uma enfermeira? Parada, de mãos juntas, frente ao corpo, ao lado da porta, vendo os dois sorrindo um ao outro, quase se abraçando e com olhares fixos. Que coisa, Marcelo agora movia as mãos para pegar nas dela com tanto entusiasmo? Por que, até pouco tempo atrás, era o mais moribundo entre todos os doentes? Passaram-se dois minutos e os dois continuavam esquecidos do resto do mundo. Alice simplesmente abandonou o quarto e começou a andar em círculos pela sala. Discernia se fora melhor tirá-lo do hospital. Lá só aceitavam a família. Como não pôde calcular isso?

As risadas aumentavam, a raiva também. Temia perder a compostura a qualquer momento, por isso evitara, até então, pisar lá novamente. O telefone tocou: — Alice? O que foi isso? Agora você deixa o antigo caso do teu homem encontrá-lo na tua própria casa? Contigo presente? Perderam o pudor, os três?

Foi para frente da casa, donde viu, da veneziana, a figura da Carla, sua vizinha, lá do outro lado da rua, acenando de sua residência. O suspiro, seja lá carregado de qual sentimento, saiu em forma de um "eu sei o que faço". Desligou. Voltou a circular pela casa, concentrada o suficiente para o tempo passar, passar tanto que já não ouvia risadas nem conversas. Foi só isso: o silêncio e a porta fechada. Ela mesma que fechou. Temos dessas decisões que nosso espírito resgata de algum ponto do universo, doadas por algum ser evoluído em intuição, e que só depois nos damos conta. O relógio marcava três e ponto, a hora certa para um dos remédios. Alice sabia que a cartela acabara ontem e só havia uma nova na cozinha. Teria de ir lá deixar, ainda mais que o alarme ainda não disparara, sinal que Marcelo poderia esquecer. Foi, pegou a medicação e dirigiu-se ao quarto, parando rente à porta, tentando abrir-se como as flores da manhã, escapando de si qualquer sinal de mau sentimento. Não queria ser chamada de ciumenta ou louca por Marcelo; ainda mais na frente de Camila. O silêncio continuava, do tamanho de uma montanha, que impede de sabermos o que acontece do outro lado. Deveria bater? Anunciar sua chegada, ou mesmo pedir permissão? Não, era ela a dona da casa, era ela a esposa. Girou a maçaneta, abriu. Camila estava sentada na beirada da cama, Marcelo continuava deitado, ambos viraram rapidamente o rosto para Alice, todos mudos.

Entregou o comprimido nas mãos do marido, esperou que engolisse, depois entregou o copo com água, já disposta no criado-mudo. Feito isso, deixou o quarto e fechou a porta.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 30/05/2024
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