A última carta de Capitu

Meu querido filho, talvez quando ler esta carta eu não esteja mais por aqui. Mas quero que conheça minha versão dos fatos e a verdade a respeito de sua existência. Antes de tudo quero que saiba que te amei desde o primeiro momento que senti você dentro de mim e que nada nem ninguém jamais possa fazê-lo acreditar que você foi um erro ou que seu nascimento trouxe algum tipo de pesar ou prejuízo à minha vida.

Desde menina, eu fui uma sonhadora, almejava explorar o mundo, conhecer terras distantes e outras culturas. Entretanto, as coisas não saíram como eu planejei. As convenções sociais me empurraram para um casamento arranjado com Bentinho, um homem que com o passar do tempo tornou-se a representação do tédio e da monotonia. Desde quando o conheci, sabia que meu futuro estava traçado, e que a partir daquele momento minha vida seria reduzida à condição de esposa, mãe e todo o pacote engendrado pela sociedade a uma mulher do meu tempo.

Nos primeiros anos, ainda nutria a esperança de encontrar satisfação na maternidade, algo que pudesse preencher o vazio da vida entediante que levava. Porém, a demora em ter um filho me enlouquecia. Bentinho, vivia recluso, afundado em suas leituras, parecia não me enxerga. Seu comportamento frio e distante sufocava qualquer paixão que pudesse surgir existido entre nós. A monotonia do casamento era insuportável, e eu ansiava por algo mais. O filho que eu tanto desejava para preencher meus dias e trazer alegria a nossa vida enfadonha não veio e por um instante pensei em desistir da maternidade.

Eu sentia que não havia nada de errado comigo, mas Bentinho jamais iria admitir que o problema era com ele. Tentamos por muito tempo ter um filho, eu busquei orientação na sabedoria popular que me desse respostas por que eu não conseguia engravidar. Certo dia, procurei uma senhora indígena que possuía grande conhecimento ancestral, famosa por suas beberagens e ervas milagrosas. Ela me presenteou com uma garrafa que, segundo ela, resolveria meu problema, caso houvesse em mim alguma infertilidade.

Cheguei em casa e procedi conforme a sábia senhora havia me orientado, tomei a beberagem, segui todo o ritual e guardei o repouso devido, depois disso na época sugerida por ela, busquei me deitar com Bentinho acreditando que o ansiado filho viria, afinal, ele vivia me acusando de ser seca como uma ameixa.

Eu tive fé, ah, como acreditei que aquele remédio iria limpar de meu ventre qualquer mal que me impedisse de ser mãe, porém, seis meses se passaram desde que me encontrei com aquela senhora e nada acontecia. Meus olhos, outrora cheios de brilho e sonhos, agora opacos refletiam a complexidade de uma mulher que vivia sufocada pelas convenções sociais e os anseios reprimidos, enquanto mantinha sua dignidade e honra intactas.

Foi quando um homem jovem e cheio de vida surgiu em nosso bairro, um verdadeiro contraste com meu marido. Ele tinha um aspecto vivaz e exalava jovialidade. Logo que o vi, senti despertar em mim um desejo que eu havia reprimido por muito tempo. Enquanto Bentinho se tornava cada dia mais introspectivo e carrancudo, aquele jovem me fazia sentir viva novamente. Nossos encontros secretos eram como uma válvula de escape para meus desejos reprimidos. Cada encontro furtivo era como um oásis no deserto da minha vida entediante. Eventualmente, nos encontrávamos em momento que Bentinho saía de casa ou viajava a negócios. Confesso a você e somente a você meu filho, que merece conhecer sua origem e sua história, sim, eu traí Bentinho, e não me arrependo, aliás, jamais poderia me arrepender. Sim, eu mergulhei de cabeça em uma paixão avassaladora que me consumia de culpa e desejo. Cada encontro secreto era como uma fuga para um mundo de emoções que eu nunca havia experimentado antes.

Daquele relacionamento clandestino, nasceu você, meu filho amado. Um filho que Bentinho teimava em suspeitar ser de seu amigo. No entanto, eu jamais me permitiria envolver com Escobar, ele era apenas um reflexo do marido que me causava repulsa. Com tamanha desconfiança nosso relacionamento foi se tornando cada vez mais insuportável. Eu preferi me calar e deixa-lo pensar o que quisesse. Jurei para mim mesma que levaria esse segredo para o túmulo, e que ninguém jamais saberia a verdade a respeito de sua concepção.

Logo o rapaz com quem havia me envolvido retornou para sua cidade no interior, passava apenas uma temporada na casa de parentes, e assim nunca mais recebi notícias dele, por isso não valeria a pena me expor por alguém que passou como a chuva de verão.

Entretanto, com o passar do tempo, ao ver como você tem crescido e se tornado um garoto tão esperto e inteligente, percebendo a hostilidade com que seu pai costuma tratá-lo, decidi quebrar o juramento que fiz a mim mesma e escrever-lhe esta carta. Ela ficará em um local seguro com muitas recomendações para que, em minha ausência, chegue à sua mão apenas depois de sua maioridade, até lá, acredito que você terá maturidade suficiente para compreender todas estas coisas e me perdoar por ter mentido sobre sua paternidade durante todo esse tempo. Espero de coração que me perdoe e compreenda que se eu não tivesse agido dessa maneira talvez você nunca tivesse existido e certamente minha vida não teria sido a mesma, sem você para alegrar meus dias eu teria morrido como uma planta em terra seca.

De sua mãe que te ama mais que a própria vida.

Obs. O conto faz parte da coletânea Capitu da Cartola Editora.

Iza Diadorim
Enviado por Iza Diadorim em 26/05/2024
Código do texto: T8072270
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