Marlinha, a menina que vendia frutas.
Em um casebre modesto, erguido em um pequeno terreno cheio de árvores frutíferas e cercado por finas estacas de madeira ligadas por fios de arame farpado moravam uma família de sertanejos Seu Zezé dona Elza e Marlinha filha do casal.
A alguns metros da cerca passava a estrada de terra. Logo adiante, havia uma curva onde cresceu, com muita vitalidade e beleza, um pé de jaqueira. Sua copa sombreava uma área grande onde Mariinha, a garota que morava no casebre, tinha uma banquinha onde vendia frutas aos viajantes que por ali passavam.
Mariinha tinha apenas 10 anos, mas, diante de tanta pobreza, teve a ideia de vender frutas de cada estação na sombra da enorme jaqueira. Ela fez isso depois de combinar com seus pais, que plantavam uma roça no inverno, semeando no chão de barro vermelho sementes de milho, feijão, macaxeira e algumas hortaliças, como abóbora, quiabo e também batata-doce. Mas, quando o verão sertanejo chegava, a família colhia os frutos de sua roça e, dali em diante, dependia totalmente do apurado feito com as frutas de verão vendidas na banquinha de Marlinha.
Mas um grande infortúnio chegou às portas daquele humilde casebre: uma grande seca se instalou em todo o sertão. O mês de março chegou e o sol brilhava com todo o seu esplendor em um oceano de céu azul. A última esperança para Seu Zezé e Dona Elza, mãe de Mariinha, era o Dia de São José, que acontece todo dia 19 de março. Os agricultores devotos fazem promessas a São José em troca de pedidos de chuva ou outras bênçãos. Os mantimentos essenciais já estavam escassos, e, se a chuva não chegasse logo, a vida daquela família ficaria difícil. Os três se prepararam e levaram para o vilarejo um capão gordo para oferecer à pequena paróquia, que estava preparando a festa do santo que mandava chuva, O vigario leiloou os presentes recebidos dos agricultores que tinham suas terras ao pé da Serra do Cantará, no sertão alagoano.
Com a seca invadindo o sertão, as frutas estavam poucas e as que vingavam eram muito pequenas e quase sem polpa. A banquinha de Mariinha já não tinha frutas e estava abandonada ao pé da velha jaqueira. Chegou o dia santo tão esperado pela familia. Seu Zezé, Mariinha e Dona Elza colocaram suas roupas de festa, seus terços no pescoço, e foram acompanhar a procissão. Depois da penitência, voltaram para casa com os corações cheios de esperança e fé.
Três meses se passaram e nem um sinal de chuva. Às vezes, o céu escurecia, o trovão estourava lá no alto das serras, mas nada de chuva. Os vasos se esvaziaram, as criações de galinhas e os dois porcos já tinham sido consumidos pela família ou vendidos a vizinhos que já não tinham mais nada. Seu Zezé, triste, sentado em um banco de madeira, observava um cartaz de um candidato que tinha passado por lá uns dois anos atrás e prometido poços artesianos para a comunidade. Dona Elza chegou à porta da cozinha com duas frutas de xique-xique, a flor do mandacaru. Era o único alimento que tinham para a família comer naquele momento. Seu Zezé abatido, Mariinha desolada em um canto, brincava com Rita, sua boneca de pano. Mas Dona Elza, mulher sertaneja de fé, ainda acreditava nas promessas feitas a São José. E, debulhando as contas do seu velho rosário, pedia a Deus que mandasse a chuva de volta, enquanto a pomba juriti ensaiava seu canto melancólico lá no meio da caatinga.
O sertão sofre. Quando a família já estava se preparando para ir embora com a ajuda de Seu Joaquim Almeida, um fazendeiro padrinho de Mariinha, um vento forte vindo do sul começou a balançar os galhos secos e definhados das árvores que rodeavam o pequeno terreno de Seu Zezé. Redemoinhos levantavam as folhas secas e reviravam a rama da gitirana que cobria a baixada da serra. De repente, um clarão iluminou todo o vale seco; um raio caiu no meio da caatinga incendiando a vegetação estorricada da passagem árida do sertão alagoano. Seu Zezé disse: "Graças a Deus!" Dona Elza beijou o rosário e Mariinha chorou de alegria, olhando pela janela suas fruteiras sem folhas e sem frutos, pareciam fantasmas sem vida paralisados, olhando para ela. Um grande estrondo ecoou no céu escuro, cheio de nuvens pretas carregadas de água. Em poucos segundos, a chuva estava caindo com muita força, lavando o telhado do casebre e o estradão. A trovoada passou a noite toda irrigando o sertão. Ao amanhecer, a família acordou com o canto da passarada. Uma semana de chuva e o verde estava presente novamente, alegrando cada ser vivo daquela região. Seu Zezé preparou a terra, e a esperança foi quem guiou aquela família do caos à bonança. Chegou a estação das frutas e Mariinha voltou à curva da estrada, limpou a banca e arrumou com muito amor os frutos embaixo da velha árvore que passou toda a seca ali solitária, sem folhas e sem frutos, de pé e resignada, testemunhando o legado de dor e fé de uma família que só tinha Deus para consolá-los.