O Coxo e o Bailarino

Era uma noite de gala no teatro da cidade. As luzes se apagaram, a cortina subiu, e o bailarino principal começou a dançar. Seus movimentos eram graciosos, cheios de precisão e emoção. O público estava encantado, e não demorou para que o teatro se enchesse de aplausos entusiásticos.

Na última fila, sentado discretamente, estava um homem conhecido na cidade como o Coxo. Seus olhos estavam fixos no palco, mas sua expressão era de dor. Quando os aplausos aumentaram, lágrimas de inveja escorriam pelo seu rosto. Ao seu lado, um velho padre observou a cena e percebeu a angústia do homem.

— Meu filho, por que estás tão aflito? — perguntou o padre com voz suave.

O Coxo, com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas, abraçou o sacerdote e desabafou:

— Padre, sinto inveja desse bailarino. Ele é tão talentoso, tão admirado. E eu... eu nunca poderei fazer algo assim. Nunca terei aplausos, nunca serei admirado.

O padre, com um sorriso compreensivo, disse:

— Venha conversar comigo na capela amanhã. Talvez possamos encontrar uma maneira de aliviar essa dor em seu coração.

O Coxo aceitou o convite. No dia seguinte, eles se encontraram na capela, um lugar tranquilo e acolhedor.

— Sente-se, meu filho. Vamos conversar — disse o padre, apontando para uma cadeira ao lado de uma pequena mesa.

O Coxo se sentou, ainda abatido.

— Padre, o senhor viu o bailarino ontem. Ele é perfeito, e eu sou... eu sou apenas um coxo.

— Entendo que você se sinta assim, mas me diga, o que te trouxe essa dor e inveja? — perguntou o padre.

— Eu sempre amei dançar — começou o Coxo. — Quando era jovem, queria ser um grande bailarino. Mas um acidente me tirou essa chance. Agora, ver alguém realizar meu sonho me destrói por dentro.

O padre olhou atentamente para ele e disse:

— A inveja é uma emoção poderosa, meu filho, mas pode ser transformada. Diga-me, há algo mais que você ama, algo em que você é bom?

O Coxo pensou por um momento.

— Eu... eu sempre fui bom em esculpir madeira. Quando era garoto, passava horas criando pequenas figuras.

— E por que parou? — perguntou o padre.

— Eu achava que nunca seria tão bom quanto queria ser. Então, desisti — respondeu o Coxo.

O padre sorriu gentilmente.

— Às vezes, a inveja nos cega para nossos próprios talentos. O bailarino no palco é talentoso, sim, mas você também tem um dom. Esculpir madeira é uma arte, e pelo que me diz, você tem habilidade para isso.

— Mas o que adianta, padre? Ninguém aplaude um escultor como aplaudem um bailarino — disse o Coxo com tristeza.

— Meu filho, cada talento tem seu valor. O importante não são os aplausos, mas a alegria que você sente ao criar algo belo. A satisfação interna é o verdadeiro aplauso. Por que não tenta esculpir novamente? Use essa energia que você sente e transforme-a em arte.

O Coxo refletiu sobre as palavras do padre. Havia verdade nelas. Ele sempre havia amado esculpir, mas a inveja e o medo de não ser suficientemente bom o impediam de continuar.

— Vou tentar, padre. Vou voltar a esculpir — disse o Coxo, sentindo uma nova esperança brotar em seu coração.

O padre sorriu, tocando levemente o ombro do Coxo.

— Lembre-se, meu filho, cada um de nós tem um talento único. Não desperdice o seu comparando-se com os outros. Desenvolva-o, cultive-o e encontre a felicidade em sua própria arte.

O Coxo saiu da capela com uma nova determinação. Voltou para casa e tirou suas ferramentas de escultura do armário empoeirado. Com mãos hábeis, começou a esculpir um pedaço de madeira. No início, foi difícil, mas alguns amigos começaram a elogiar seus trabalhos barrocos e chegaram até a compará-lo com o grande Aleijadinho mineiro. Aos poucos, ele foi sendo reconhecido, a princípio pelos artistas de sua cidade, depois recebendo encomendas de esculturas sacras e bustos de celebridades e políticos. Até que chegou o dia em que ele foi convidado para participar de uma exposição de esculturas barrocas. Entre grandes artistas renomados e premiados tanto nacional quanto internacionalmente, os holofotes da imprensa estavam todos voltados para Damião Novais, o Coxo da pequena cidade de Aracaí, no sertão alagoano.

Enfim, chegou o momento em que o júri iria decidir quem seria o grande ganhador daquela grande exposição de esculturas barrocas. E, com alegria, o apresentador do evento, em alto e bom som, anunciou:

— O ganhador é Damião Novais, o jovem escultor da cidade de Aracaí, do estado das Alagoas.

Nesse momento, ele ouviu uma explosão de aplausos do auditório lotado da exposição, direcionados para ele o grande escultor Damião Novais. O padre, que estava assistindo a tudo, subiu ao palco, abraçou seu amigo e disse em seu ouvido:

— Os bailarinos usam as pernas e a leveza dos seus movimentos para conquistar a admiração do público. Já os escultores usam suas mãos habilidosas e coordenadas, junto a uma imaginação fértil e precisa, para dar vida à madeira e às pedras inanimadas, transformando-as em verdadeiras obras de arte. Cada um tem seus talentos e suas provações. Agora você está preparado para aplaudir os bailarinos.

Alexandre Tito
Enviado por Alexandre Tito em 24/05/2024
Código do texto: T8070260
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