Leseira matinal

Antes de subir estava desconfiado de que não fosse uma boa hora.

As surpresas, por menores que sejam, estão sempre sendo avassaladoras demais ultimamente,

e me afastando do eixo mental pacato que construi duramente ao longo da semana.

Adentrei devagar o elevador, percebi minhas olheiras no espelho fosco desta pequena capsula claustrofóbica, e andando pelo corredor encontrei a porta aberta,

dei de cara com ela - estava bonita, premeditadamente bonita.

Assim como quando fisgava um óculos de sol qualquer do mostruário de um ambulante na orla da praia e fazia pose,

dançando com a boca e as sobrancelhas.

Lhe dei a mão e entrei.

Logo ela dirigiu-se ao seu lugar, procurando os fones de ouvido, recolhendo os livros do chão e falando que não tinha jeito para mim, que nunca aviso nada mesmo, e pensava que eu não apareceria tão cedo depois do fim de semana...

O apartamento estava no seu lugar, com as cerâmicas brancas e pequenas dispostas em losango pelo chão,

o sofá amarelo de frente a janela, que dava de frente a sala de uma senhora que costura e fuma.

Os óculos, havia perdido, as plantas, haviam mais duas.

Perguntei se estava incomodando e ela riu cansada.

Tenho ficado abalado com mais frequência, tenho um choro preso nas lágrimas que não caem.

Sinto um repúdio despretensioso calculando minhas ações... mas ela me pega pelo braço, me empurra, me enfia no sofá e começa a falar com a voz pra cima.

- nem comigo, nem com ela, mas com o espaço mesmo ou com as questões da cabeça, como um ensaio sem erros.

Queria perguntar porque ela tinha uma voz recuada no interfone e

se eu poderia ficar e aproveitar esse tempo livre para fazermos nada juntos.

Mas antes disso, me olhou de soslaio e trouxe no sorriso o olhar que eu gosto.

Não falei nada,

ela sabia que eu iria ficar, fechou a porta da sala como se estivesse me trancafiando ali dentro e

disse para não reparar já que eu não tinha avisado e cheguei no meio da manhã como um fugitivo.

Sorriu e abrindo as cortinas me olhou pra me fazer rir também.

Trouxe um café de repente, na maior xícara que tinha em casa como se desejasse a minha demora.

Até já haviam dois pratos na mesa, a mesa até já estava posta, já tinha retirado do forno um bolo de milho,

já haviam duas fatias de bolo em cada um dos pratos,

já estava pronto um café para dois.

Zeca Oliveira
Enviado por Zeca Oliveira em 21/05/2024
Código do texto: T8068386
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.