Agonia de um homem
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 4 de maio 2024
Arisco, não gostava de falar com qualquer um, escondia-se sempre que alguém apontava do outro lado da rua, onde dizia ser sua casa, seu pedaço de terra. Homem do interior, não sabia fazer muita coisa, só cuidar de cabras e outros pequenos animais, em seu terreno ganho de herança, quando pai e mãe morreram de uma virose desconhecida, lá pelas bandas onde nascera e vivera até aos dezoito anos. Filho único, não aguentara a solidão após a morte dos pais. Resolvera sair dali o mais breve possível, assim que vendesse tudo que herdara, para nunca mais voltar. Iria para a capital, seu sonho, primeiro e único.
No dia marcado para viajar, arrumou em um saco de farinha, toda a roupa que tinha. Em outro saco, menor, colocou dois surrados sapatos, um preto e outro marrom, dois cintos de couro, um preto e outro marrom, para combinar com os sapatos. Era um rapaz bonito, forte e um pouco vaidoso. Não esqueceu o frasco de lavanda que usava nas festas locais. Era bastante assíduo, e as garotas da cidade brigavam para dançar com ele, que não se fazia de rogado.
Às cinco horas daquela manhã fria, com o cavalo já selado, Rufino olhou para o tempo, ainda escuro, mas não havia sinal de chuva, coisa rara de acontecer por ali, naqueles meses. A galope, tomou o rumo da estrada que o levaria até à capital. Seu coração começou a bater acelerado, a ansiedade estava a flor da pele, finalmente iria realizar seu sonho, o de morar na cidade grande, agora separada apenas por uns míseros 210 km de estrada, em péssimas condições de trafegabilidade. Isso não importava, estava montado em seu melhor cavalo, o mais veloz, ganhador de vários prêmios de corridas, nas cidades circunvizinhas. Fazia, em média, 22 mph (35 km/h). Pelos cálculos do garoto, chegaria ao seu destino, se não houvesse empecilho, por volta das 18 horas do mesmo dia.
Infelizmente, nem tudo acontece como se espera. No quilômetro 100, sem mais nem menos, apareceram à sua frente dois homens montados em um cavalo. O da garupa apontava uma velha garrucha, isto é, uma pistola daquelas que se carrega pela boca do cano. Ele, assustado, desequilibrou-se do cavalo, indo ao chão. Na queda bateu com a cabeça em um torrão de barro, já bastante ressequido, não recebia água da chuva fazia tempo. Desacordado, ficou umas três horas. Ao abrir os olhos percebeu que já era noite e ali ficou até os primeiros raios do sol darem o ar de sua graça. O movimento inicial foi procurar o seu estimado cavalo e demais objetos trazidos durante a viagem, nada encontrando. Passou a mão pela cabeça percebendo manchas de sangue que escorriam pela testa, saindo de um corte profundo. Um dor forte era sentida pelo jovem, que parecia desnorteado. Sentou-se em um barranco à sua frente tentando recordar o que acontecera. Depois de algumas horas, resolveu tomar o seu caminho em direção à cidade grande, que sabia que estaria logo adiante.
Depois de longa caminhada, avistou as primeiras edificações, pequenas casas, indicativo ser uma cidade. Alegrou-se e apressou os passos, para chegar logo e procurar um hospital. Depois de ser atendido em uma unidade de saúde pública, dirigiu-se a um local que pudesse obter informações, onde ficar, fazer uma refeição, procurar informações sobre seu cavalo, missão quase impossível. Estava completamente sem dinheiro, tudo fora levado pelos criminosos.
Passou o dia todo vagando pela cidade, ninguém tinha notícia sobre o assalto relatado pelo moço, tudo aqui ia deixando sua cabeça atordoada. Já não sabia o que estava acontecendo, sua memória estava falhando, a fome e as dores que sentia causavam todo aquele desconforto. Passou a pedir um pouco de comida nas casas, o seu estado debilitado, roupas sujas e rasgadas não encorajava qualquer pessoa a se aproximar dele. Sentou-se em um banco de uma pequena praça, para descansar, e ali dormiu. Um policial municipal chegou-se a ele, o acordou e pediu para sair daquele lugar, ir para casa. Para o agente o homem era um desconhecido, nunca o tinha visto por aquelas bandas. Então resolveu levá-lo para a cadeia pública, ficaria lá até aparecer um familiar.
Quando o delegado chegou, percorrendo as dependências da carceragem, verificou haver novo hóspede. Chamou o plantonista e quis saber quem era aquele homem, o que tinha feito para estar ali. Sem informação, o delegado foi tentar investigar. Não obtendo nenhuma palavra do maltrapilho, pediu para o carcereiro trazer um pouco de água para lavar o rosto do coitado. Nessa hora, o homem da lei reconheceu o campeão de corridas de cavalo da região. Deixou-o ficar até o outro dia, quando entraria em contado com os seus familiares, para mais informações e diligências. Seria um árduo dia, pois pouco sabia daquele homem, já sem forças para lutar pela vida. As horas avançavam, o sofrimento aumentava e o desespero também.