Madalena e Antônio
- Se dissessem para mim, Madalena, que esse seria meu destino algum dia, iria dizer para quem me vaticinou essa desgraça impensável que fechasse seu oráculo, pois não teria sido de anjos, mas de demônios terrivelmente maldosos.
- Não blasfeme, Antônio, você não está com a cabeça boa.
- Isso não é blasfêmia, Madalena. Não praguejei contra Deus nem contra nenhum santo. Só reclamei de minha situação atual.
- Antônio, você está vivo, com saúde e tem a mim.
- Todos os meus sonhos, Madalena, se foram na enchente que inundou nossa casa.
- Vamos reconstruir tudo, para isso estamos aqui.
- Sobramos nós e a determinação de recomeçar, não é, Madalena?
- É sim, Antônio, a gente tem a vontade de recomeçar e vamos recomeçar.
- Vamos recomeçar porque somos obrigados a recomeçar, Madalena.
- A gente não pode prever o que acontece na vida. Só temos que ir em frente.
- Nenhum oráculo poderia ter sido tão escuro, tão malévolo quanto foi a vida.
- Êta, homem, parece que perdeu a fé. Parece que não confia em Deus.
- Nem isso posso, Madalena, perder a fé. E se a perco, como vou ter forças para recomeçar? Porque temos que recomeçar, não é? Não é isso que você está me dizendo?
- Quase iríamos morrer, Antônio. Se tivéssemos morrido tudo estaria acabado e aí sim não precisaríamos recomeçar. Mas não é bom estar vivo para iniciarmos tudo de novo?
- Olha, estar vivo é bom, só penso que não poderíamos ter passado por tudo isso e poderíamos estar vivos noutra condição.
- Mas não estamos. Vamos, homem, vamos limpar toda essa lama e vamos arrumar essa sujeira toda. Limpar tudo.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 09 de outubro de 2023