CARONA

Carona

Nome dele é Alberto Nunes, filho de uma das melhores cozinheiras da cidade, bom de bola, quando ele entrou pela sala lá de casa e disse:

-Jota, você vai jogar o campeonato desse ano?

-Claro que não Preto (sempre chamei ele assim, crescemos juntos e ele foi o meu único amigo verdadeiro a vida toda).

-Uai, porque não? Teu irmão disse que pode ficar com a 10 – ele riu - tu é um bom meia de campo , sempre me acha livre.

-Sabe que tenho que estudar, o vestibular está ai.

-Tu sabe tudo – ele franziu a testa e sentou no pufe – sabe que vou ter que sair da escola, essa é a única chance que tenho pra ser visto pelo técnico do América, quem sabe me botar pra jogar pagando salário, por isso você tem que jogar, vou fazer dezesseis, tô ficando velho.

-Sabe que Dona Márcia te mata se sair da escola – a mãe dele era minha madrinha.

-Teu pai já ajuda a gente, mas a mãe tá com um treco no pulmão e se ela morrer tenho que cuidar dos menores.

Aceitei participar do jogo, dias depois conversando com meu irmão ele me contou que dona Márcia estava com tuberculose, que ninguém queria dar trabalho na cidade pra ela, só o pai, mas a gente não tinha muito dinheiro, estávamos de mudança para o Espírito Santo, tínhamos os nossos próprios problemas financeiros.

Assis, um dos meninos da rua do valão, trabalhava meio período fazendo “podrão” no lava-jato do Jó que a noite também era lanchonete, perguntou:

-Nome do time?

-Carona – o doido do Carlos que deu – porque ninguém vai ficar pra sempre, estamos de carona nisso – todos riram.

O pai gostava desse campeonato, ele ia para a beira gritar no campo, fiquei com a 10 porque o Preto queria a 7 , jogamos contra o time da cidade vizinha na estreia, jogo duro, o gol da vitória foi feito pelo meu irmão Carlos de falta.

Carona passou bem pela primeira fase, foi jogar as oitavas em Divinópolis, Preto não foi, não tinha dinheiro e a mãe dele estava ruim, quase perdemos, fiz um gol que foi uma cagada daquelas, bate rebate, por último chute errado que bate no zagueiro, gol, o jogo foi com uma chuva de matar.

Final em BH, todos fizeram a vaquinha para o Preto ir, era o América mineiro, os caras tinham o dobro do nosso tamanho e o América jogava na primeira divisão.

Preto estava animado, Assis pedia autógrafo dos caras, quem sabe para vender depois quando aqueles caras ficassem famosos. O pai foi para animar, levou até Dona Márcia, que estava alegre, porém bem abatida.

O América fez um gol de cara, aos cinco minutos, de cabeça, a nossa zaga estava perdida, O pai foi no ouvido do técnico e pediu para ele colocar o Tonhão na zaga, ele fez e ninguém passava por ele, foi uma partida incrível do Tonhão, que trabalhava com o pai na loja de móveis.

Acabamos na retranca, quase todo mundo na defesa e Preto aberto pela direita, Carlos pela esquerda, e o um a zero foi até o fim do primeiro tempo com Preto apanhando igual cachorro.

Fui até o árbitro e reclamei da porradaria que estava tomando o Preto, ele me deu cartão amarelo.

O início do segundo tempo, o capitão do América foi expulso por uma cotovelada que deu em Preto, ficamos com um a mais, eles foram inteiros pra trás, ai recebi a bola no meio depois de um escanteio e chutei de bico no canto, gol, só quem joga esse jogo sabe da alegria que é isso, talvez essa descarga de felicidade só se deu novamente com o nascimento das minhas filhas e no meu casamento com Clarisse, empatamos o jogo.

Segundos para o final, Preto pegou livre a bola na esquerda, o passe foi do Tonhão, meteu a bola onde Preto nunca estava, deu a bola para o meu irmão que devolveu de primeira pra ele, foi pro centro da área, deu uma caneta no zagueiro, seca, deu uma entorce no quadril do cara e tocou a bola com estilo no canto, gol da vitória, se existisse justiça, Preto seria algum dia o Alberto Nunes, atacante do Real Madri.

Não existe justiça, o América tinha uma vaga e levou o Tonhão, anos depois foi jogar no Divinópolis, depois no Tupi, perdi o contato, a medalha de campeão sumiu com o tempo, estudei, passei em medicina, meu irmão nunca progrediu, Preto viu a mãe morrer de tuberculose, em 2001 foi a vez dele, trabalhou de auxiliar de pedreiro, cuidou como pode dos irmão, pegou carona nessa vida.

JJ F SOUZA
Enviado por JJ F SOUZA em 20/04/2024
Reeditado em 21/04/2024
Código do texto: T8046216
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