TELHADOS

O menino Davi tinha dez anos e ainda não entendia os dois telhados quase verticais da entrada da casa de dona Marta, uma vizinha alemã de 85 anos. Diziam que a mulher pretendia evitar o acúmulo de neve sobre a casa durante o inverno, contudo, calhou que a construção foi idealizada na cidade de São Paulo, uma cidade onde diziam não caía neve.

O menino era absolutamente tímido e nunca perguntou nada sobre os telhados da dona Marta. A vizinha frequentava a casa de Davi e às vezes dizia: “Não precisa ser tímido, menino!”

Davi nem teve condições de responder não ser timidez aquele silêncio; era um medo caindo sobre sua cabeça todas as manhãs na escola; um medo da sala de aula, do recreio; da bandeira do Brasil. O medo surgia até quando o asfalto das ruas parecia mudar de cor e ficar meio roxo. Eram roxas as ruas da casa de Davi até a escola.

Um dia, dia 15 de abril de 1971, o menino chegou e avisaram do falecimento de Dona Marta, a vizinha alemã de 85 anos. Davi ficou atônito, pois velhos eram velhos para sempre. Davi não entendeu como também não entendia tudo que o cercava e talvez por isso, dois dias depois da morte da vizinha, ele teve um sonho: sonhou justamente com a casa de dona Marta. Ele a olhava de frente quando começou a nevar em São Paulo. Uma neve imensa soterrava tudo, mas na casa, por causa dos telhados verticais, a neve não ajuntava, escorria pela cerâmica e a casa permanecia uma estampa intacta diante a branquidão geral do mundo.

Davi sentiu o teto ali inteiro. E pensou depois, Dona Marta previu neve em São Paulo. E pensou também, os telhados são um modo de afirmar que, se uma neve absurda pode escorrer aqui, nada de ruim poderá se acumular em uma pessoa se ela pensar que o medo e o frio deslizarão pelas encostas da sua vida.

No dia seguinte, voltando da escola, Davi passou pela casa de dona Marta, mediu os telhados da vizinha. Eles estavam ali. Verticais e aguardando o tempo.

Davi também concluiu: “Dona Marta sabia, podemos ser telhados a prova de nevascas”.