A gota d’água
A mãe, ao ver o comportamento afeminado do filho, seus trejeitos delicados, suas predileções pelo universo feminino, o mimetismo de si, Daniel reproduzindo seus gestos, seu modo de falar e agir, sentiu repulsa. Não queria isto para ele. Seu único filho, temporão, tesouro em sua vida. Um milagre ter nascido, todos diziam. Um menino lindo, inteligente e carinhoso. Tinha planos para ele. Seria um homem rico, poderoso: médico, engenheiro, empresário, político. Não a bichinha do bairro. Isso não. Não queria que ele morresse, não. Preferiria que ele não tivesse nascido.
Ela, que sempre fora uma mulher independente e liberal, fez o que quis da própria vida. Agora, de repente, tornou-se uma moralista conservadora. Ocultava sua vida pregressa, não dizia nada de quem foi ou o que fez antes de se casar e ter um filho. Nada sobre suas orgias, suas festas em iates, casas noturnas, viagens malucas, relacionamentos conturbados, consumos exagerados. Fingia ter começado a vida ali, no matrimônio, na maternidade. Não tinha família, amigos de antes, suas histórias, muitas vezes não tinham pé nem cabeça, se tinham um começo, não chegavam até o fim. Os segredos da mãe eram captados como meias verdades por sua filha, e a revolta, o atrito só aumentava.
A gota d’água transbordou o balde. Saíram a vias de fato. Uma surra de sua mãe e a ameaça de interná-la em uma clínica de reabilitação. Juntou o pouco que tinha de seu e foi embora seguindo a estrada de terra. O pai, quando soube, disse que iria buscá-lo onde quer que fosse, foi impedido, ameaçado, convencido de que foi a melhor coisa que aconteceu. Que ele voltaria melhor, mais calmo, ciente de que deveria mudar. Não voltou.