Bachan
A bachan se sentou na cadeira enquanto as crianças se sentaram em posição de lotus no tapete. Ela era mestra em contar histórias e ganhava do celular no quesito prender atenção de seus netos.
- Eu quero ouvir uma história de samurai.
- Ah não... eu quero uma história de amor.
- Hoje vou contar uma história completamente diferente. Não fala de mim ou da nossa família e nem de lendas antigas.
- É sobre o que então?
- É sobre um povo que vivia em um lugar que tinha tudo para dar errado.
- Eles eram heróis?
- Pode-se dizer que sim.
As três crianças como que em um ato coreografado colocaram os cotovelos sobre os joelhos, apoiaram a mão no rosto e inclinaram o corpo para a frente.
- Era uma vez um conjunto de ilhas montanhosas e com muitos vulcões. Nesse lugar também aconteciam muitos terremotos. O povo daquele lugar vivia nas planícies, quer dizer na parte onde não era montanha, vivia em aldeias e plantava arroz. O país vizinho dizia que aquela era a Terra do Sol Nascente porque esse conjunto de ilhas ficava no extremo leste da Ásia.
- Eu não entendi.
- Ah... o sol nasce ao leste.
- O que é leste?
- É o lado que nasce o sol, dahn...
- Ayumi, para de implicar com seu irmão... Ele é pequeno. Você já aprendeu isso na escola, mas ele não.
O menino mostrou a língua para a irmã que jogou uma almofada em sua direção.
- Já chega. Se continuarem agindo assim não tem mais história.
- Não bachan, desculpa.
- Desculpa bachan. Não mostro mais a língua para ela.
- Bom, como estava dizendo, aquela era conhecida como a terra do Sol Nascente. Era um lugar que tinha muitas guerras por terra e poder. Onde se desenvolveu um governo que controlava e mandava em tudo e não gostava muito de estrangeiros. Depois veio a democracia que deu certo por um tempo, mas não demorou muito para voltarem a ter o sistema de governo antigo.
- O que é democracia bachan?
- É um sistema de governo em que o povo escolhe quem vai governar.
- Teve uma guerra mundial onde esse país também lutou. Depois da guerra aproveitaram que alguns países ainda estavam se recuperando e não conseguiam produzir alguns produtos e começaram a vender esses produtos para eles, principalmente navios, tintas e adubo. Mas logo depois, esses países que estavam mal se recuperaram e não precisavam mais comprar desse povo. Houve muito desemprego e as pessoas ficaram muito pobres. Foi aí que o governo ficou ainda mais autoritário. Entraram em guerra para pegar uma parte do país vizinho e conseguiram. Os Estados Unidos não gostaram desse jeito autoritário e deixaram de vender alguns produtos para a Terra do Sol Nascente, que devido a essa rincha com os Estados Unidos entrou na Segunda Guerra Mundial.
- E eles ganharam a guerra?
- Não. O inimigo inventou a pior das bombas que matou muitas pessoas e quem se aproxima do lugar onde a bomba foi jogada corre o risco de ficar doente, isso até hoje.
- Que história triste.
- Mas ela não acabou. Sabe o que aquele povo derrotado, na miséria, com o país destruído fez?
Os três balançaram a cabeça em negativa.
- Aprenderam com o inimigo tudo o que eles sabiam sobre tecnologia e administração. As pessoas foram estudar. Aquele povo desenvolveu a tecnologia e criou muitas fábricas. Trabalhou duro e reconstruiu o país. Hoje muitos países compram deles. E as pessoas vivem bem.
- Agora sim. Eu gostei desse final.
- Mas quem disse que acabou? Essa história não termina. E cabe a vocês continuarem.
As crianças encararam a avó aguardando uma explicação.
- Essa é a história do nosso povo. Para fazermos jus ao nome de terra do Sol Nascente precisamos fazer com que ele nasça todos os dias. Precisamos ser esse sol, se é que me entendem...
Na época não entenderam. Mas agora, aos dezoito anos andando pela cidade, Ayumi finalmente compreendia. Embora achasse que seus antepassados exageraram um pouco e que também precisavam se divertir mais, sentia orgulho de tudo o que haviam feito e construído. Subiu ao seu apartamento. Seus pais ainda estavam no trabalho. Encontrou apenas a bachan deitada na cama com a enfermeira ao lado. Se aproximou da senhora, beijou suas mãos e contou que havia passado no vestibular. A avó sorriu.