O mineiro fã do programa de TV Jovem Guarda
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 12 de março 2024
Dão era o apelido dele, era assim que todos da república o chamavam. Seu nome verdadeiro não sabíamos, nunca falou, deveria ser feio, ou de pronúncia complicada, “mineirês”. Quando apareceu para se juntar a nós, recomendado por outro mineiro, tinha dezenove anos. Tímido e pouco falante, chegou carregando uma pequena mala, impregnada de adesivos de hotéis e de cidades. Ou ele viajara muito ou a mala era emprestada. Tinha medo de sair de casa, andar pelas calçadas da grande cidade, São Paulo. Saía todas as manhãs para trabalhar, era auxiliar de escritório de uma empresa localizada perto de onde morávamos. Éramos quatro jovens rapazes.
Certo domingo tomou coragem e saiu explorando os arredores de onde residíamos, um edifício de dez andares, quatro apartamentos por andar. Antes de sair pediu-me emprestado um paletó, uma gravata e uma camisa de mangas compridas, queria ficar elegante, falara. Era mais alto que eu, o paletó ficou curto, mas não ligou. Nós outros, fomos almoçar em um pequeno restaurante, também perto do nosso edifício, local de nossas refeições aos domingos e feriados, já que nos dias almoçávamos em nossos locais de trabalho. Terminado o almoço ficamos conversando mais algum tempo, o assunto era o Dão, cara esquisito, mas gente boa.
Retornamos para o apartamento após às quinze horas, já que nosso almoço sempre se dava entre treze e quatorze horas, aos domingos e feriados acordávamos um pouco mais tarde. Ao chegarmos não o encontramos em casa, ficamos preocupados. Teria acontecido alguma coisa com ele, estaria perdido, eram as nossas indagações. Era a primeira vez que saía sem seus companheiros de república. Fizemos recomendações para ter cuidado, não se afastar muito do perímetro que estava acostumado a andar. Ele meneou a cabeça, concordando. Ficamos tranquilos que isso iria acontecer, ele era bastante obediente.
Esperamos mais algumas horas e nada do mineiro. Resolvemos sair à sua procura, nós três tomamos direções diferentes. Cada um iria, a partir do edifício, em sentido do endereço onde ele trabalhava, caminho já conhecido por ele. Andamos bastante e nada de Dão, procuramos em pequenos restaurantes, já que ele saíra sem almoçar. Ele não bebia, essa preocupação não tínhamos.
Sabíamos que era fã dos cantores da Jovem Guarda, só falava nisso. Idolatrava Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia. Assistia todos os programas, gravado no Teatro Record, localizado na rua da Consolação, em São Paulo, entre os anos de 1965 e 1968, sempre nas tardes de domingo. Dão sempre dizia que um dia conseguiria entrar no teatro, para ver de perto os seus ídolos. Quem sabe, pensei, ele conseguira? Eu estando certo, nossas preocupações acabariam.
Com essas informações que eu guardava em minha mente, rumei para a rua da Consolação, mais precisamente para a frente do Teatro Record, esperar a saída dos fãs de Roberto Carlos e sua “trupe”. Não tínhamos celular à época, não saberia se os outros companheiros de morada já tinham encontrado o mineiro perdido (?).
Esperei uns trinta minutos, de repente ele apareceu entre os fãs do programa, conversando animadamente com uma garota. Sorria para a moça e ela correspondia. Desciam uma rampa, não tinham pressa, havia muitos outros fãs à frente dos dois. Paletó semiaberto, fazia calor, também não se importava com isso, entre os dois, tudo era alegria, nem parecia o Dão que conhecíamos. Quando me viu, virou o rosto para o lado, disfarçando para que não o visse. Já era tarde, ele estava sob minha mira, não o deixaria escapar.
Já bem perto de mim ele sorriu, se aproximou e apresentou-me à garota. Ela, sorridente, apertou minha mão e falou: o Carlos Alberto é muito engraçado! Não sei de onde ele tirou aquele nome, mas não contestei, apenas confirmei que sim. O nome dela era Clarice, bela mineira, reconheci pelo sotaque, menos carregado que o do Dão.
Ele informou que iria deixá-la em sua casa, perto dali. Perguntei se poderia acompanhá-los, não houve objeção. Minha oferta veio do fato que conhecia São Paulo melhor que ele. Assim voltaríamos juntos, não haveria perigo de ele se perder. Fiquei sempre um pouco afastado, para deixá-los mais à vontade. Quando chegamos ao local onde morava Clarice, o casal se beijou, para minha surpresa, houve a despedida e a promessa de se verem novamente. “Um verdadeiro mineiro come quieto”. Fiquei feliz por ele, já sobre ela, não sei.