Depois de subir a ladeira

Depois de subir a ladeira

Ela não sabe que quando subir aquela ladeira uma chuva fina cairá. Irá abrigar-se embaixo de uma marquise e verá algumas pessoas correrem para abrigar-se sob ela.

Chegará à marquise um jovem, um pouco mais velho que ela, belo como Itanhatã. Ela estará pensando na sua mãe enferma, não o notará. Os olhos do jovem brilharão ao vê-la. Ela é bela como Oxum.

Não verá direito o Itanhatã próximo. Não saberá que algum dia depois, ele irá próximo à sua casa, se postará no seu caminho, lhe dirá um boa noite, ela responderá, no dia seguinte, ele repetirá o mesmo gesto e seu coração baterá mais forte.

Antes de subir aquela ladeira não sabe que dois anos depois essa Oxum se casará com aquele Itanhatã. Do seu encontro nascerão dois lindos cafuzos, uma menina e um menino.

Essa felicidade toda será misturada de tristeza. Um ano depois de subir a ladeira, nenhum remédio, nenhum médico, nenhuma reza, nenhum pedido, nenhuma promessa, nenhum sacerdote, nenhum amor, nem dor, nem angústia, impedirão de perder sua mãe querida.

Ela não sabe que a casa ficará vazia como a vida e que a força e o amor de sua mãe só perdurarão na sua memória. Encontrará no consolo do seu Itanhatã o abrigo para sua dor.

Mas o belo jovem se tornará pai e deverá buscar prover sua família. Ele emigrará, ele irá para o sul, buscar uma vida melhor, buscar prover o sustento de sua prole.

Um ônibus a levará com seus filhos e seu marido para as terras do sul, deixará nas terras do norte, as lágrimas, a visão das serras, o vento a se despedir. Já não são tão belos como Itanhatã e Oxum, já os machucará a vida.

Mas deixará mais nas terras do norte: o som da melodia das palavras faladas no norte; o som no sul são outros, são palavras mais ásperas como buzinas de automóveis e apitos de fábricas. Deixará o canto da cotovia que vinha acordá-la às manhãs, a lua faceira detrás do horizonte, a flor de maracujá.

Sentirá saudades das ladainhas da Velha Coroca, o pregão das carroças de burro nas vendas diárias. Longe também ficarão as amigas de infância e no canto do fogão de lenha inativo esquecidas as bonecas de pano feitas pela tia Mariana.

Porém o ônibus, esse cruel levador como tempo, não deixará de tomar seu rumo para a frente. Não adiantará verter lágrimas, não adiantará pedir a Deus para o tempo voltar. Não voltarão nem o tempo nem o ônibus, eles só andam para frente, para longe, para o destino, o que é de muitos das terras secas.

O frio do sul, os trabalhos da costura, a espera do marido, o medo que um dia ele não volte e as crianças crescerão e logo esquecerão o torrão de nascença.

A casa pequena, os vizinhos briguentos, as saudades, as dores, as doenças, os trabalhos. Quando tinham sido como Itanhatã e Oxum, não se sentiriam tão cansados, tão desanimados. Ela cansada de costurar, limpar, cozinhar e arrumar. Ele com uma pinga para disfarçar do frio, dos trabalhos e da vida que vai e ela não sentirá o mesmo sabor dos beijos dos primeiros encontros.

Ela não sabe que depois de subir aquela ladeira se tornará mais mulher, mais rica e mais pobre, mais bela e mais forte. Ela não sabe que acontecerá tudo isso, mas já vai subir a ladeira...

Rodison Roberto Santos

Nos idos do início dos anos 2000

Rodison Roberto Santos
Enviado por Rodison Roberto Santos em 11/03/2024
Código do texto: T8017184
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