A Famigerada Porta Detectora de Metais

Ultimamente, por conta do avanço tecnológico, as agências bancárias estão cada vez mais vazias. Mesmo quem experimenta a necessidade imperiosa do atendimento presencial, muitas vezes conta com máquinas disponíveis já na entrada da agência. Mas outro dia mesmo era comum que esses estabelecimentos reunissem grande aglomeração de pessoas, sobretudo em dias de pagamento, e que as operações só fossem possíveis no ambiente interno, realizadas por operadores de caixa. Foi num desses dias que a Vera surtou. Pese o fato de que não era cliente daquela agência e de que, portanto, ninguém a conhecesse no local.

Vera é uma balzaquiana loura, que faz muito marmanjo babar. Bem feita de corpo, e fissurada na prática de exercícios físicos, adora vestidos justos e saltos altos. Nessa época estava noiva do Massa, um grandalhão musculoso, de pavio curto e muito ciumento. Combinaram encontrar-se para almoçar, mas antes a moça precisava realizar um pagamento na agência bancária .

Preparada para a onda de calor que já se extendia por duas semanas, Vera decidira enfrentar o dia com um conjunto de viscose, composto por saia e blusa coloridos que remetia a um visual hippie ou indiano. Optou por uma sandália rasteirinha, uma pulseira de argola, brincos levíssimos e nada de colares. Como o cabelo já passava a altura dos ombros, decidiu prendê-lo com uma estilosa presilha que a avó trouxe de viagem quando esteve em Milão. E para fechar o look, uma bolsa de couro, toda ornamentada em franjas, e de tamanho médio, que carregava à tira-colo.

O estabelecimento bancário não contava com aparelhos de ar condicionado, estando disponíveis naquele espaço apenas dois velhos e precários ventiladores de pedestal. O ar por ali circulava pesado. E certamente não fosse a necessidade imperiosa de pagar o boleto, Vera não ficaria naquele forno nem por um minuto. A fila, que começava na calçada e terminava na porta de segurança, avançava lentamente. Do outro lado, na calçada oposta à da agência, trabalhadores de uma obra da companhia de gás espalhavam-se em seu horário de almoço, regalados no chão e aproveitando alguns minutos de descanso. Alguns jogavam cartas, outros dominó, e outros simplesmente jogam conversa fora. Desses, por sinal, era possível escutar comentários insinuativos sobre as mulheres que passavam ou, quem saberia (?) sobre as beldades que identificavam na fila.

Provavelmente por determinação do gerente, o acesso ao prédio era controlado, para remediar a aglomeração interna. E a porta de segurança, por si só, colaborava com o pequeno caos travando a todo momento, quando uma sequência de três apitos agudos denunciava presença do metal. Então, a pessoa que desejava adentrar era convidada a esvaziar bolsa e bolsos, sacando aparelhos celulares, moedas, e todo tipo de metal que estivesse justificando o travamento da porta. Não fosse o próprio perrengue em si, os bips já eram suficientemente irritantes.

Imediatamente atrás do casal, na fila, um grupo formado por três garotos conversava animadamente. Com skates embaixo do braço, faziam sua pequena algazarra particular: contavam anedotas, gargalhavam, zombavam de um ou outro personagem que engrossava o fim da fila, se empurravam... Por certo pelo menos um deles estava ali por algum compromisso assumido com pai ou mãe para quitar alguma conta. Massa olhava de rabo de olho, e se reposicionava, certo de que queriam pretexto para esbarrar em Vera. E a modorrenta experiência de convivência forçada se estendia: Alguns xingavam o presidente, outros o técnico da seleção. Havia gente reclamando do injusto e feliz destino do vilão da novela... enfim, fila é fila!

Há poucos passos da porta de segurança, Vera sugeriu que o noivo ficasse num canto, ali fora mesmo, para esperá-la.

- Não existe nenhum motivo pra você entrar, e sofrer naquela sauna também. Se quiser até esperar lá fora, o ar lá está bem melhor! ... - Massa a encarou com a expressão fechada.

- Você que sabe... - Por fim, acatou a sugestão da moça e se posicionou na entrada da agência, a meio corpo do ar puro e do abafamento.

Não demorou muito até que ela chegasse à famigerada porta e cumprisse o ritual: colocou a bolsa num compartimento reservado a isso, e voltou até uma faixa amarela pintada no piso. Após alguns segundos, reiniciou o movimento de entrada.

PI-PI-PI.

Vera deu um sorrizinho amarelo, levando o queixo a um dos ombros, em clara demonstração de incômodo. O segurança se aproximou com cordialidade.

- Bom dia, a senhora está portando aparelho celular, moedas, chaveiro ou qualquer outro objeto metálico?

- Como estaria? Tudo o que eu tenho está na bolsa!

- É... Mas a porta está travando.

- Amigo... ( quando alguém se refere a você como amigo, na maioria das vezes não é seu amigo) olhe para a minha roupa... não há como esconder nada aqui... não está vendo que...

- Desculpe, senhora, estou cumprindo minha tarefa, é o meu trabalho... Volte até a faixa amarela, por favor...

Ela o fez e a porta destravou.

- Agora venha... - pediu o segurança.

PI-PI-PI. A porta protestou, travando novamente.

Vera ficou transtornada. Aí aquela gente toda, com excessão dos garotos, já se agitava amaldiçoando a porta. O alvoroço desfez a fila ao redor da porta. Isso impediu que Massa, apesar de corpolento pudesse avançar em socorro à noiva. Para o seu desespero, começou a ouvir um côro que engrossava rapidamente:

- Tira! Tira! Tira!

Era Vera, com a blusa totalmente desabotoada que, desvairada xingava o guarda, o banco, a mãe e a família de todos os responsáveis por aquela humilhação:

- Imagina! Eu tenho cara de ladra, por acaso? Vim pagar um boleto! A porcaria de um boleto! E o que eu estaria escondendo por dentro dessa roupa levinha? Um 38? Uma metralhadora?

Mas seus gritos eram pouco há pouca abafados pelo côro: TIRA, TIRA, TIRA... E ela tirou... Tirou a blusa e ficou só de sutiã. Agora já estava pra lá de Bagdá, girando a blusa e gritando a plenos pulmões que ficaria nua! Nuazinha se não permitissem que ela entrasse! E que depois de provar a humilhação que sofrera, processaria o banco, com todas aquelas testemunhas presentes!

- Não é, pessoal? - ela exortava - jogando longe a pulseira e os brincos.

Mas o pessoal, sobretudo as vozes mais graves, obstinava-se no "TIRA, TIRA, TIRA!"

Vera, então, completamente fora de si, começara a desabotoar a saia. Os garotos skaitistas encontravam-se em êxtase total. Os rapazes da obra, lá fora, grudaram os narizes na fachada envidraçada. Como um rastro de pólvora, a notícia da gostosona que estava tirando a roupa na entrada do banco havia chegado ao ouvido de todos. Muitos deles, inclusive, engrossavam o côro sob a pressão de se atrasarem para retornar ao serviço. A moça seguia lá dentro, em seu inconformismo insano:

- E tem mais! Vou chamar a polícia, a imprensa. Boto fogo nos jornais, vocês vão ver só!

E a saia já ia pela metade quando uma funcionária do banco segurou o seu cotovelo. Estava voltando do almoço e, miúda que era conseguiu romper o furdunço e chegar até a cliente.

- SUA PRESILHA! - gritou no ouvido de Vera.

- O quê?

- Sua presilha, sua presilha de cabelo...

- O que tem minha presilha? - perguntou Vera puxando bruscamente o braço.

O côro cessou instantaneamente, com uns resquícios de "óóóóóóóóóóó" sustentado pela maioria das vozes masculinas.

- Sua presilha deve ser de metal... O sensor da porta fica na parte de cima, por isso ela está travando.

Vera assumiu um ar envergonhado. Acertou a saia, recolocou a blusa, tirou a presilha do cabelo e, após perder três posições na fila, conseguiu entrar na agência apenas para pegar a bolsa, cujo compartimento só poderia ser acessado pelo lado de dentro. Os homens lá fora, para a sorte do casal, haviam voltado ao trabalho quando saíram da forma mais discreta possível.

GEORGES
Enviado por GEORGES em 08/03/2024
Reeditado em 07/04/2024
Código do texto: T8015340
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