A Senhora Perfeita

Foi ela quem atendeu ao portão com aquele corpo perfeito, cabelos longos bem cuidados,

unhas pintadas e um sorriso no rosto.

- Oi, tudo bem, quanto tempo!

- Muito tempo mesmo! Quinze anos. Me disseram que ainda morava em Campinas. Que se

casou e ficou por lá depois que terminou a faculdade.

- É verdade. Vim passar uns dias aqui nos meus pais. Falando nisso, entra. Minha mãe

precisou dar uma saída. Vai demorar um tempinho para chegar. Aí a gente já aproveita e põe o papo em dia. Assim que ela chegar você mostra os produtos que trouxe.

- Claro.

Mal pus o pé para dentro ouvimos um barulho de vaso quebrando. Um menino dos seus oito

anos mais ou menos e uma menina de uns seis corriam no jardim.

- Enzo e Valentina! O que vocês aprontaram?

- Foi o Enzo mãe. Ele que quebrou o vaso.

- Não vem não que você também tava correndo...

- Os dois aqui agora....

Quando eles se aproximaram ela se abaixou para ficar da altura dos dois e falou com eles em

uma voz firme e calma. “Claro, a Senhora Perfeita só poderia ser a mãe perfeita.”

- O que eu falei sobre correr aqui?

- Mas mãe...

- Vocês sabem muito bem o quanto a vó de vocês gosta e cuida dessas plantas. E olha a sujeira

que vocês fizeram... Agora eu quero que vocês dois peguem a pá e a vassoura e limpem essa

sujeira. Quando a avó de vocês chegar vão contar para ela e pedir desculpas.

- Mas mãe, foi o Enzo quem quebrou...

- Mas você também estava correndo, então poderia ter sido você... Não quero mais conversa.

Vão limpar isso.

Os dois saíram batendo o pé.

Ela se levantou e olhou para mim.

- Crianças... Você tem filhos?

- Tenho um menino de doze anos.

- E onde ele está?

- Com o pai. Na verdade não nos casamos e nem estamos mais juntos agora. Ele paga uma

pensãozinha e vê o filho a cada quinze dias, como manda a lei.

- Male male pode contar com ele pelo menos.

Ela levou a mão a boca e começou a soluçar. Lágrimas caíam de seus olhos. Essa para mim

era novidade. Eu senti um aperto. Paralisei por alguns segundos. Pus as mãos em seus

ombros e perguntei:

- O que aconteceu?

Ela pareceu sair do transe, enxugou as lágrimas, mas continuou soluçando.

- Melhor entrarmos. Não quero que as crianças me vejam assim.

Entramos na sala e nos sentamos meio de lado, uma olhando para a outra.

- Posso pegar um copo de água para você?

- Por favor. Tem copo no escorredor de pratos da pia.

Fui até a cozinha, peguei um copo, enchi de água, voltei para a sala e entreguei a ela, que

tremendo bebeu tudo de um gole só. Colocou o copo com o aparador na mesa e começou a falar:

- Meu marido. Faleceu faz dois meses. Infarto fulminante.

- Meu Deus! Sinto muito. Deve ter sido um baque.

- E foi. Ainda é. Eu o amava. Sinto muito a falta dele. Mas isso não é tudo. Perdi meu emprego

há uns seis meses. Devido a pandemia diminuiu muito o número de clientes e precisaram

fazer alguns cortes. Tenho mandado currículo sem resultado, pois o mercado anda fraco. Fiz

algumas consultorias por conta. Tá, na verdade foi só uma de alguém que já conhecia meu

trabalho. Depois da morte dele dei uma deprimida e não tenho tido pique para correr atrás de

novos clientes. E agora o seguro-desemprego está acabando e tenho duas crianças para cuidar.

Não queria tirar elas do colégio. Não sei mais o que fazer. Pensei em vender produtos de

beleza, assim como você. Só para complementar a renda, pelo menos enquanto não consigo

outro emprego ou novos clientes. Como está nesse ramo pensei que poderia me ajudar, dar

algumas dicas.

- É claro...

Em um gesto repentino a abracei. Precisava de uma forma de disfarçar meu sorriso.

AninhaP
Enviado por AninhaP em 02/03/2024
Código do texto: T8011338
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