Encontro no vagão do metrô
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 27 de fevereiro de 2024
Sem pressa, ela passeia pela plataforma do metrô com destino à porta do vagão de sua preferência para aguardar o trem que a levará à plataforma 8, saída próxima do local de seu trabalho. São seis horas daquela manhã tranquila. Vestida de saia verde; blusa branca de mangas longas; calçada com sapatos altos, também verdes, com quinze centímetros de altura; bolsa à tiracolo, discreta, da cor de seus sapatos. Vai serena. Ainda faltam dez minutos para o trem chegar.
Marylia mora em uma pequena cidade, a cinquenta minutos da capital, onde desenvolve suas atividades de Secretária Jr. no Departamento de Compras da empresa para a qual trabalha. O salário não é lá muito bom, mas ela também não é perdulária. Viúva, trinta e seis anos, tem uma filha de dez anos e mora com a mãe, também viúva, aposentada, que ganha dois salários-mínimos. A garota estuda em escola pública, é estudiosa e prendada. Ao chegar da escola, almoça e vai ajudar a avó. Moram em uma modesta casa, que está sempre arrumada e limpa, orgulho da vó.
Apesar de não ganhar muito, Marylia tem salário razoável para a função que exerce. Gosta de se apresentar bem-vestida sempre que sai de casa para o trabalho, ou quando aceita convite para jantar com alguma amiga ou amigo. Não tem pretendente, pois fez promessa de só se juntar novamente a alguém quando a filha estiver ganhando seu dinheiro e ajudando nas despesas da casa.
Naquela manhã o metrô atrasou dez minutos. Ela entrou, sentou-se em sua cadeira preferida, ao lado da janela, e ficou apreciando a paisagem que se descortinava ao seu lado. Primeiramente via apenas árvores coloridas e grama bem verdinha. Às vezes alguém passava, andando sem compromisso, talvez um desempregado procurando “bico” para conseguir trocados e levar o almoço do dia. Poderia ser um operário de alguma oficina, localizada mais adiante.
Seus pensamentos viajavam na velocidade do trem. Em cada parada, Marylia rezava para ninguém se sentar ao seu lado. Queria continuar vendo a paisagem para construir algumas histórias enquanto o tempo passava. Quando chegava em casa puxava pela memória e passava para o seu notebook.
Infelizmente, na plataforma 6, a penúltima até o seu ponto de descida, aproximou-se cautelosamente um senhor, com mais ou menos cinquenta anos, valor estimado baseado na idade do seu falecido marido. Percebeu que era uma pessoa de bom trajar, feições finas, mãos limpas e bem cuidadas. Ele pediu licença, ela consentiu meneando a cabeça. Ele sentou-se, ela se afastou mais um pouco, permitindo que ele se acomodasse confortavelmente.
O trem saiu, aumentando a velocidade aos poucos. Essa parte da linha fora toda construída na superfície. É a parte que ela mais gosta, podia ver os edifícios pequenos, os arranha-céus, os cortes das ruas e o frenesi dos carros para lá e para cá. Gente, aos montes, andando nas calçadas e esperando para atravessar quando o semáforo indicasse esse movimento.
De repente, o senhor ao lado perguntou em qual parada ela desceria. A resposta foi curta – Na 8. O homem insiste em conversar – Eu também vou ficar lá. Ela olhou para ele e sorriu. Ele respondeu com outro sorriso. A conversa continuou – Eu faço esse trajeto todos os dias, ida e volta. Trabalho numa empresa em frente à plataforma. - Eu também trabalho lá-, disse ele, -Só que é a primeira vez que venho de metrô. Meu carro “pifou” quando estava saindo de casa, então achei melhor vir por esse meio.
Já estavam quase íntimos, conversavam sorrindo e às vezes se tocando discretamente. Ele adiantou mais ainda aquele papo – Eu sou viúvo, tenho dois filhos pequenos que ficam com minha mãe, também viúva. - Interessante, - continuou ela, - Eu também sou viúva, tenho uma filha e moro com minha mãe próximo ao início da linha férrea do metrô.
Ao saber que Marylia trabalhava para ele, já que era ele o dono da empresa, ficou satisfeito. Percebeu que, além de bonita e elegante, era agradável e educada. Também ficou sabendo que a nova amiga falava inglês perfeitamente, o que o agradou, tendo em vista que ele sempre viaja para os EUA. Sem perder tempo, perguntou – Quer ser minha secretária? Eu sou o dono de tudo aquilo onde você trabalha. Assustada, ela se virou e disse que não acreditava no que ele estava dizendo. Para convencê-la, ele tirou um crachá do bolso com seu cargo escrito e disse: - Embora eu não precise usar identificação, uso para dar exemplo - e continuou - O mecânico vem deixar meu carro na empresa hoje. Gostaria de deixar você em sua casa, apenas para conversar um pouco mais. Não tenha receio, sou um homem respeitador. A proposta foi aceita e, ao fim do expediente daquele dia, eles rumaram para a casa dela. Ambos seguiram felizes por aquele inusitado encontro.