TUDO POR CAUSA DA LINGUIÇA
Sabadão, primeiro dia de férias. A Lua iluminava a orla dando um aspecto prateado às ondas do mar. Olegário saiu do distrito policial, consultou o relógio, já passava das 22.
Entrou no carro e recostou-se no banco, a pensar, abriu uma latinha de cerveja. Ah! Estava quente, pensou. Que dia maluco aquele. Nem podia acreditar que tinha saído ileso daquela confusão. Não, realmente, não podia nem acreditar como, ele, um homem pacato da cidadezinha de Nossa Senhora do Pinhal, tinha se metido naquela confusão.
Mulheres, ah, mulheres. Bem que sua mãezinha, dona Cotinha, que Deus a tenha, dizia: “- Olegário meu filho, cuidado com as mulheres, Olegário”, isso, mesmo antes dele se casar com Maria Rita, mulher geniosa, mas que ele amava de todo coração e lhe dera dois lindos filhos. Enfrentar Maria Rita seria pior do que enfrentar o delegado, com “cerveja”. Começou a rememorar os fatos que o trouxera àquele lugar.
Era sábado, cinco da manhã. Levantaram cedo, todos, pois não queriam ficar presos na estrada, sabe como é, trânsito e essas coisas. Férias, tão esperadas férias. Alugara pela colônia da prefeitura (santo sorteio) um “apezinho” legal, tinha até piscina.
Não viam a hora de chegar para curtir aquele primeiro dia de férias em família. Esperavam o ano inteiro por isso, e, como esperavam, fizeram uma viagem tranqüila, carro tinindo, aprovado na revisão veicular, sem multas, ele era bem “certinho” com suas coisas.
O sol estava ameno, ainda eram oito horas, mais ou menos, quando chegaram á Praia Grande, litoral de São Paulo. Chegaram à Colonia, passaram pela portaria, ganharam pulseirinhas amarelas para identificarem-se, as crianças adoraram, ele odiou; Maria Rita, indiferente. Subiram para o apê, que legal, tinha TV, dava até para ver o futebol, ficou satisfeito. Colocaram as malas nos quartos, nooossa, o apartamento tinha dois quartos, um com cama de casal e, o outro, com seis camas. As crianças vibraram, dava até para escolher onde dormir. Ele só queria ir à praia, Maria Rita queria fazer macarrão com linguiça para o almoço. Estivesse aonde estivesse ela adorava cozinhar, quisesse vê-la feliz era colocar um fogão á sua frente e foi aí que tudo começou.
Combinaram que dariam um mergulho e, depois, enquanto ela punha os guris para tirar a areia, ele iria ao supermercado buscar macarrão, linguiça e molho de tomate, não esquecendo, claro, da cervejinha e do queijo ralado. A água estava uma delícia, o mar calmo, nem dava vontade de voltar para o apê. Olhou para a esposa, ela também se divertia fazendo castelos de areia com as crianças. As horas foram passando entre uma onda e outra, então, Maria Rita deu o sinalm, era tempo de cumprir o combinado. Ela subiu com as crianças e ele foi para o mercado buscar os ingredientes para a macarronada e, de longe, ela ainda, gritou com o dedo em riste e uma voz fininha, “- não demora e, não esquece da cebola”.
Chegando ao mercado pegou o que Maria Rita queria e algumas coisinhas a mais: amendoim, pipoca, balas para as crianças, frutas, bolachas enfim, papel higiênico e dirigiu-se ao caixa posicionando-se à frente de duas jovens senhoras que, também, aguardavam sua vez na fila, uma delas ainda comentou em alto tom: - Que calor Berê, tô Cuma sede, não vejo a hora de enfia a cara nessa cervejinha gelada. Intimamente, Olegário riu.
Enquanto a funcionária passava sua compra, Olegário ouviu um burburinho que foi crescendo, crescendo, crescendo e, de repente, parecia que um maremoto invadira o supermercado. Na banca das promoções duas mulheres se estapeavam por um produto qualquer que, por azar de seus destinos, tinham colocado a mão no mesmo, ao mesmo tempo.
Olegário, que era um cavalheiro e não podia deixar que as “damas” se matassem, correu para acalmar a situação e, no meio da correria, jogou o pacote da linguiça no carrinho das simpáticas já mencionadas jovens senhoras que se encontravam atrás dele, na fila do caixa. Tapa pra lá, bofetada pra cá, Olegário e um senhor troncudo, funcionário do supermercado, conseguiram acabar com a rinha entre as duas mulheres.
Tudo mais calmo Olegário voltou para pegar sua compra, antes, observando o relógio que, áquela altura, já marcava 13 e 55. Mal pegou seu pacote de linguiça e ouviu um estridente grito de mulher, “larga minha compra aí, seu safado, tá pensando o que, hein.”
Olegário corou e sem entender o que estava acontecendo desculpou-se dizendo que aquele pacote era dele e que, por sinal, já estava pago. A mulher disse que era dele uma ova, pois o pacote estava em seu carrinho, portanto a compra era dela e ele só tava bancando o esperto.
Com toda a boa educação que tinha recebido de dona Cotinha, que Deus a tenha, Olegário tentou explicar à senhora o que havia ocorrido, mas não teve jeito, o caldo engrossou, a dona apelou, Olegário não conseguia achar o cupom de pagamento e, resultado, o caso foi parar no distrito policial, que, depois de horas de combate com dona Alzira, assim chamava a mulher que dizia sentir-se infinitamente lesada e o delegado, um homem de estatura baixa, gordinho e atarracado a quem chamavam de dr. Salomão, que concluiu, que: devido ao fato de que, misteriosamente, o pacote de linguiça havia sumido e, não tendo prova da existência da linguiça , não havia delito, e já que, “se não há corpo não há crime” estavam todos liberados e, que o deixassem descansar, final o qual, por bem de si mesmo, o escrivão não relatou, Olegário pôde, finalmente, voltar para o apartamento da colônia de férais onde deixara Maria Rita e as crianças.
Olegário meneou a cabeça, colocou o carro para andar pensando em como se explicar com Maria Rita que, a essa altura do campeonato, já devia ter subido a serra a pé, de raiva.
Parou em frente ao estacionamento da Colônia, um segurança com cara de sono acionou o portão automático para ele, ascendeu a luz para apanhar os documentos do carro e as compras e percebeu um pequeno pacote bem no fundo do banco traseiro, devia ter caído da sacola, pensou, ao abrí-lo arregalou os olhos surpreso, alí estavam eles, os quatro gomos de linguiça, intactos, gordinhos e sorrindo pra ele. Olegário, no seu íntimo, gritava: “- Yes...sua piranhazuda, as linguiças são minhas, yuuuupi”.
Felizão da vida, apesar dos pesares, subiu para o apê, girou a chave na fechadura e entrou. Tudo estava às escuras, somente a clara luz da lua iluminava a sala. Sob o sofá descansava um lençol e um travesseiro, prenúncios de “tempo quente” para a manhã de domingo. No quarto, Maria Rita e as crianças dormiam.