Reescrevendo um conto de 2007: "Meu amado Pai"
Ontem à noite, num mar de saudades, a vontade de ligar para meu pai crescia dentro de mim. Queria desejar-lhe boa noite, saber se precisava de algo. Contudo, o adiamento era mais fácil. Ele estaria ali hoje, em nossa loja de antiguidades. Tantas coisas a fazer, pensei, enquanto meu pai aguardava em segundo plano. A televisão e os afagos da minha companheira pareciam mais urgentes. E assim, a noite passou, e eu, covardemente, mantive os olhos fechados para sua ausência.
A manhã chegou e, com ela, a rotina habitual. Na loja, meu pai, imerso em suas contas, ofereceu-me um simples bom dia. Tantas palavras não ditas, tantos gestos não dados. As obrigações clamavam por minha atenção, e nosso diálogo resumiu-se a um cumprimento seco. Mal sabia eu que aquele seria nosso último encontro. Se ao menos tivesse expressado o amor que me transbordava, a gratidão que me inundava.
De volta a casa, recusei o convite para um jantar em família. Estava exausto, meu corpo clamava por descanso. Mal sabia eu que aquele seria o último convite de meu pai. Beijei minha esposa, acariciei sua barriga, símbolo de uma nova vida a caminho. Tomei um banho e me entreguei ao sono, sem sequer cogitar a possibilidade de ligar para meu pai. Afinal, ele estaria lá amanhã.
Mas o destino é implacável. O telefone tocou no silêncio da madrugada, como um eco da tragédia iminente. Meu pai, vítima de um infarto, lutava pela vida num hospital distante. Corri, desesperado, mas cheguei tarde demais. Sua mão gelada já não podia mais sentir meu toque. Ele se foi, sem ouvir as palavras de amor que tanto lhe devia, sem saber da vida que brotava dentro de mim.
Uma lágrima solitária deslizou por minha face, rompendo a barreira da dor. Meu pai nos deixou, deixando um vazio de perguntas sem respostas. Como entender a partida daquele que parecia tão perfeito, tão pleno de vida? Justo agora que eu ansiava compartilhar a notícia da minha paternidade iminente, um novo ciclo se iniciava em mim. Minha esposa aguardava um filho, e meu coração ansiava por um menino. Mas no auge da minha alegria, quando a promessa de um novo ser iluminava meus dias, a sombra da morte se fez presente.
Hoje, diante das fotografias que narram nossa história, as lágrimas banham meu rosto. Meu filho, meu futuro, será ele capaz de expressar seu amor a tempo? Irá repetir os erros do pai, afogado na correnteza dos afazeres e das desculpas? Não sei. Só sei que eu, agora órfão de palavras não ditas, vou para o túmulo sem proferir o mais simples e profundo “Eu te amo” para meu pai.