Dilúvio na Rodovia
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 13 de fevereiro de 2024
O tempo estava firme, céu claro, visibilidade muito boa. Era domingo, filas de carros se apresentavam na rodovia, quatro pistas, duas para ir e duas para voltar, seus ocupantes alegres e cantarolando, era o primeiro dia daquele verão. O terreno nos dois quilômetros da estrada que se avistava adiante, era uma reta longa e plana. Ao lado dela corria um rio de respeitável largura e volume de água.
Muitos já haviam passado por alguns cortes na estrada, de mais ou menos cinco metros de altura, que era a base firme de uma elevação considerada, de terra. Essa estrada fora inaugurada há cinco meses, e ainda não havia recebido quantidade expressiva de veículos. Aquele dia era especial, todos estavam ávidos por um saudável banho de mar e sol, para um perfeito bronzeamento.
Garotas, “gatas”, e belos rapazes de corpos bem moldados, frequentadores de academias, todos querendo mostrar e se firmar entre eles, numa competição de produção de imagem corporal que, para isso, necessitavam de boa apresentação também no vestir: novos biquínis, artigos da moda, cangas, chapéus, sandálias e toalhas a completarem a indumentária do novo verão. Prenuncio de alegre dia. Em alguns carros, famílias inteiras sorrindo felizes.
Ninguém pensava em algo diferente que não fosse um bom dia de divertimento, em benefício da saúde e da vida boa que levavam. Repentinamente o céu começou a escurecer, no início dispersos pingos de chuva, que pensavam ser passageiros. Os ocupantes do carro da família Cardoso, preocupados, olharam para trás, grossas nuvens escuras se aproximavam empurradas pelos ventos que sopravam fortemente.
A inquietação tomou conta de todos, um reclama, outro se lastima, alguém grita: – a água do rio está subindo rápido! Os carros à frente começam a diminuir a velocidade, enorme volume de terra escorrega atrás do veículo de seu Cardoso, impedindo-o de dar marcha à ré. Estava preso entre os carros da frente, que pouco a pouco iam parando, em consequência de outras barreiras que se deslocavam para o asfalto. O desespero aumentou. Já havia muitas pessoas fora dos carros. O nível da água no asfalto continuava subindo, a chuva aumentava, o rio já corria rente ao asfalto, todos os carros parados, a chuva que caía na pista contrária, mais elevada do que a que margeava o rio começou a deslizar pela parede de arrimo, aumentando em muito, a quantidade de água na pista logo abaixo.
Algumas pessoas tentavam vencer a parede que protegia o asfalto da pista superior, preste a ser arrastada. As pessoas se desesperam, gritaria para todos os lados, um rapaz, tipo atleta, atirou-se nas águas do rio, para tentar nadar até à outra margem, mas desapareceu antes de alcançá-la. A agonia aumentou. Não havia sinal de celular. Começou o abandono dos carros, as pessoas corriam pela estrada na direção da praia, ainda um pouco distante.
Seu Cardoso pediu calma à família: a esposa, duas belas garotas e um rapaz. Todos confiam no pai. Ele, bombeiro, avalia as possibilidades de saírem salvos daquela situação. Estudou minuciosamente o local, afastou-se do carro, mas antes pediu que a família se abrigasse sobre o capô e teto do carro, e aguardasse a sua volta. Caminhou para frente, cuidadosamente, para sentir a firmeza do terreno, olhou para cima, verificando a sustentação da barreira que ainda resistia; percebendo que havia uma vala de cimento, por onde escorria o excesso de água, durante um dia normal, sem temporal. Subiu, constatou que seria por ali o local de escape deles.
De volta ao carro procurou o solo mais firme para andar rápido. Estava a 500 metros de sua família. A chuva deu uma trégua, o prenuncio, entretanto, era de continuidade, até mais intensa. Cansado, não podia desistir, era a vida de sua família que estava em perigo. Seguiu em frente, chegando próximo ao carro, verificou que não havia mais ninguém em cima dele, juntando forças, correu desesperado. Todos estavam agarrados a um galho de árvore que pendera para o lado deles, o veículo já estava quase encoberto pela água.
Aliviado, seu Cardoso se acalmou. Foi em direção à árvore quase tombada, transmitiu instruções à esposa e filhos. Conseguiram agarrar-se a outro galho quase solto e seguiram o pai. Chegaram ao local da vala de cimento que se comunicava à pista superior, subiram e caminharam uns 200 metros até a um lugar mais seguro, havia outras pessoas que saudavam aos que iam aparecendo. Permaneceram ali, até os socorristas começarem a trabalhar, o que não demorou muito. Ainda exausto, o grupo aplaudia entusiasmado os intrépidos e destemidos homens do Corpo de Bombeiros.