A Usura do Pão Amanhecido
A usura do pão amanhecido!
Pelo clarão da janela, iluminado pelos raios matinais, aprecio a claridade. Ainda não tenho a certeza se estou desperto plenamente. Entretido em meus afazeres primeiros, nem sequer ouso pensar sobre a correria que foi estas últimas semanas. Enquanto degustava o gostoso café que preparei, coloquei-me a pensar sobre questões dos meus últimos dias. Olho para o pão quente e, assim, como num passe de mágica deixo meu pensamento voar, leve, para o passado. Não sei se por encanto, mas o que primeiro vi, foi o pranto dos meninos que me rodeavam.
“Tínhamos passado a noite naquele galpão e acordamos cada qual com seu rosto amarrotado. O gosto de saliva velha na boca provocava uma cuspideira exagerada. Procuramos a primeira torneira para banhar o rosto e fazer um gargarejo. A noite havia sido longa e a dor nas costas era tão intensa que mal conseguia me movimentar. Olhei para uma das educadoras e apenas com um olhar compreendi que ela estava um tanto nervosa, e não era sem motivo. Tínhamos, naquele galpão, aproximadamente cinqüenta crianças, entre meninos e meninas, todos que viviam na rua e estavam acordando. Nossa preocupação, como educadores, era a de mantê-los entretidos até que chegasse o pão para o café matinal. É bem verdade que, como já estávamos acostumados, este café não tinha nenhum requinte e era suficiente apenas para acalentar momentaneamente o voraz estômago de cada jovem, ali presente.
Os minutos passavam como se fossem horas. Não poderíamos esperar mais, um educador deveria ser escolhido para ir até a sede da Pastoral e providenciar o alimento para aquela manhã. De pronto, coloquei-me à disposição, uma vez que de todos os demais, eu era o que menos experiência tinha para lidar com situações daquele gênero.
Abri o portão que dava acesso à Av. 23 de maio e pude presenciar que a estrela maior, muito timidamente lançava seus frios raios sobre a Terra. A manhã fria, característica do mês de julho, espantava os transeuntes. Só uns poucos andarilhos, perdidos em seus mundos é que ousavam transitar por aquela via. Comecei a empurrar o portão pra fechá-lo e notei que um veículo se aproximava e parou diante de mim. Percebi que dentro do carro tinha mais duas pessoas, além do motorista. O que estava no banco de passageiros da frente, desceu e perguntou se ali era o abrigo de menores da Pastoral do menor. Respondi afirmativamente e nesse momento vi que as demais pessoas que estavam no veículo desceram e um deles abriu o porta-malas tirando de dentro alguns sacos brancos, contendo pães. Quando vi aquilo, fiquei contente, pois não esperávamos tal ajuda. Adentramos e pude ver a alegria estampada no sorriso desdentado da grande maioria dos jovens.
Qual não foi nossa surpresa quando abrimos os sacos. Os pães, mais pareciam com pedras umedecidas, tão velhos que eram. A surpresa não parou por aí. Repentinamente, surgiu um político, com filmadoras e máquinas fotográficas para registrar o acontecimento. Como um furacão, sem muito se demorar, bateu algumas fotos e retirou-se rapidamente alegando compromissos inadiáveis. Meses depois essas fotos foram usadas em campanha eleitoral.
Passados alguns minutos finalmente chegou o veículo que estávamos esperando. Os jovens poderiam tomar seu café da manhã tranquilamente.”Arrancado de meus pensamentos por minha pequena filha, que reclamava minha presença, voltei à cozinha de minha casa. Ali, com o café já frio, pude acalentar minha pequena que queria o meu colo. Às vezes esquecemos o básico em nossas vidas. Nas lembranças acima, a expressão do abuso da boa fé ou apenas a intenção em se levar vantagem diante de qualquer situação reforçam que, ainda hoje, nossas trilhas não estão melhores do que nossos antepassados.
A usura do pão amanhecido!
Pelo clarão da janela, iluminado pelos raios matinais, aprecio a claridade. Ainda não tenho a certeza se estou desperto plenamente. Entretido em meus afazeres primeiros, nem sequer ouso pensar sobre a correria que foi estas últimas semanas. Enquanto degustava o gostoso café que preparei, coloquei-me a pensar sobre questões dos meus últimos dias. Olho para o pão quente e, assim, como num passe de mágica deixo meu pensamento voar, leve, para o passado. Não sei se por encanto, mas o que primeiro vi, foi o pranto dos meninos que me rodeavam.
“Tínhamos passado a noite naquele galpão e acordamos cada qual com seu rosto amarrotado. O gosto de saliva velha na boca provocava uma cuspideira exagerada. Procuramos a primeira torneira para banhar o rosto e fazer um gargarejo. A noite havia sido longa e a dor nas costas era tão intensa que mal conseguia me movimentar. Olhei para uma das educadoras e apenas com um olhar compreendi que ela estava um tanto nervosa, e não era sem motivo. Tínhamos, naquele galpão, aproximadamente cinqüenta crianças, entre meninos e meninas, todos que viviam na rua e estavam acordando. Nossa preocupação, como educadores, era a de mantê-los entretidos até que chegasse o pão para o café matinal. É bem verdade que, como já estávamos acostumados, este café não tinha nenhum requinte e era suficiente apenas para acalentar momentaneamente o voraz estômago de cada jovem, ali presente.
Os minutos passavam como se fossem horas. Não poderíamos esperar mais, um educador deveria ser escolhido para ir até a sede da Pastoral e providenciar o alimento para aquela manhã. De pronto, coloquei-me à disposição, uma vez que de todos os demais, eu era o que menos experiência tinha para lidar com situações daquele gênero.
Abri o portão que dava acesso à Av. 23 de maio e pude presenciar que a estrela maior, muito timidamente lançava seus frios raios sobre a Terra. A manhã fria, característica do mês de julho, espantava os transeuntes. Só uns poucos andarilhos, perdidos em seus mundos é que ousavam transitar por aquela via. Comecei a empurrar o portão pra fechá-lo e notei que um veículo se aproximava e parou diante de mim. Percebi que dentro do carro tinha mais duas pessoas, além do motorista. O que estava no banco de passageiros da frente, desceu e perguntou se ali era o abrigo de menores da Pastoral do menor. Respondi afirmativamente e nesse momento vi que as demais pessoas que estavam no veículo desceram e um deles abriu o porta-malas tirando de dentro alguns sacos brancos, contendo pães. Quando vi aquilo, fiquei contente, pois não esperávamos tal ajuda. Adentramos e pude ver a alegria estampada no sorriso desdentado da grande maioria dos jovens.
Qual não foi nossa surpresa quando abrimos os sacos. Os pães, mais pareciam com pedras umedecidas, tão velhos que eram. A surpresa não parou por aí. Repentinamente, surgiu um político, com filmadoras e máquinas fotográficas para registrar o acontecimento. Como um furacão, sem muito se demorar, bateu algumas fotos e retirou-se rapidamente alegando compromissos inadiáveis. Meses depois essas fotos foram usadas em campanha eleitoral.
Passados alguns minutos finalmente chegou o veículo que estávamos esperando. Os jovens poderiam tomar seu café da manhã tranquilamente.”Arrancado de meus pensamentos por minha pequena filha, que reclamava minha presença, voltei à cozinha de minha casa. Ali, com o café já frio, pude acalentar minha pequena que queria o meu colo. Às vezes esquecemos o básico em nossas vidas. Nas lembranças acima, a expressão do abuso da boa fé ou apenas a intenção em se levar vantagem diante de qualquer situação reforçam que, ainda hoje, nossas trilhas não estão melhores do que nossos antepassados.