Amor Sertanejo
Amor Sertanejo
O sol escaldante do sertão baiano queimava os corpos dos trabalhadores que se dedicavam à colheita da mamona naquele ano de 1979. O vento forte soprava o pó vermelho característico das terras sertanejas da região de Cafarnaum e, as roupas e chapéus de palha se tornavam manchas escarlates contrastando com o verde sumo das plantas de mamona.
Desde o ano de 1976, Carlão e Zulmira começaram um namoro platônico durante a colheita da mamona nas várias fazendas da região. Namoro esse que não passava de olhares melosos e toques tímidos de mãos. Mãos rudes, calosas de anos de trabalho sob o sol e a terra vermelha e quente daquela parte do sertão baiano.
Sempre que se encontravam durante a lida diária, os corpos naturalmente suados e efervescentes, entravam ainda mais em ebulição. Corpos maduros, cobertos de panos ásperos, cabelos molhados por baixo dos velhos chapéus de palha, cílios empoeirados e o desejo ardente...Mais nada, além disso, acontecia. Os toques tímidos de mãos em baixo do pé de umbu e o roçar de pés cascudos eram lembranças que guardavam durante todo o tempo em que estavam separados, até se encontrarem de novo no ano seguinte. Ninguém entendia um amor desse jeito.
Carlão era assim, homem afogueado, esquentado tanto no sexo, quanto no gênio. Não costumava levar desaforos para casa e por esse motivo, vivia de olho roxo, no entanto, costumava bater mais do que apanhar, isso era evidente e comentado por aquelas bandas. Tinha sim, fama de valentão e sua maior proeza era com as mulheres, com essas, sabia ser carinhoso e astucioso, como diziam alguns, elas adoravam o jeito másculo e ao mesmo tempo terno daquele homem rude.
Nas noites do sertão, naquelas paragens, da fazenda “Carcará” aos pés da fogueira, fumo de rolo e cachaça, Carlão e os seus colegas de trabalho costumavam contar suas aventuras amorosas e ao som de muitas gargalhadas varavam a madrugada nos finais de semana, contando e cantando “mudinhas” (músicas sertanejas próprias de autores daquela região).
Com todas as mulheres Carlão brincava, mas, com Zulmira, a sua amada, ninguém, nem ele próprio se atrevia a dizer palavra. Mulher trabalhadeira e calada, não dava trela para homem nenhum e ele, Carlão se sentia privilegiado por receber dela um minguado sorriso, um roçar de pés, um toque de mão... Quem se atreveria a lardear que havia derrubado aquela mulher? Ainda mais sabendo que ela era propriedade exclusiva, embora subjetiva, de Carlão? Ninguém naquelas bandas!
Zulmira com trinta anos era ainda solteira, assim todos afirmavam. As amigas nada diziam sobre ela, sobre sua vida pregressa. Os homens viviam a bisbilhotar sobre o seu passado, mas, nada! Nem uma palavra, nem uma fofoquinha saia das bocas daquelas mulheres. Carlão não aguentava mais aquela agonia. O desejo o consumia ano, após ano e nada de novo acontecia. As ancas gordas da mulher amada, durante o vai-e-vem da lida o deixava louco! E mesmo cobertas pela calça comprida e um largo vestido, essas ancas volumosas o faziam delirar.
Era costume daquele quarentão se deitar durante a hora do almoço para devanear e confidenciar ao seu velho amigo pé de umbu, sobre as visões que tinha do corpo nu de Zulmira. Tinha de encontrar um jeito de seduzi-la. Pensava ele. Precisava arquitetar um plano, pois, os anos vão passando a idade chegando... Sabia que não lhe era indiferente, então por que não conseguia avançar no namoro? Logo ele? Homem “afamado” de “derrubar” o maior número de colhedoras de mamona todos os anos? Tava ficando mole. É, esse negócio não ta certo não, matutava Carlão com seu fiel pé de umbu, que nada falava, mas isso não era problema, pois, ele mesmo respondia pela árvore,mantinha com ela um dialogo diário e constante.
Depois de muito sofrer e pensar, tinha certeza agora de seus sentimentos. Estava apaixonado pela Zulmira, não era só sexo, era paixão das brabas. Eta bicho o que faço agora? Questionava-se Carlão, ao mesmo tempo em que, observava o galo no terreiro correr atrás das galinhas e montar muitas delas. Ele também era assim, como aquele galo. Agora estava virando homem encasquetado com uma mulher só. Onde já se viu isso?
Mas Zulmira com aquelas ancas gordas, peitos pontudos, olhos amendoados, lábios grossos, e mocotó grosso... Alias, pensava ele, a crença de que mulher de mocotó grosso é preguiçosa não é verdadeira, sim, pois, Zulmira era um exemplo disso. Rapariga corajosa trabalhava o dia inteirinho sem uma queixa, sem demonstrar cansaço, até parecia que o trabalho pesado era a única coisa que lhe contentava. Vixe, quanto mistério! Enquanto isso, seu membro ansioso e inquieto, suado por baixo dos panos sujos, crescia a olhos vistos sempre que em Zulmira pensava ou dela se aproximava.
Naquela noite resolveu rondar a cabana onde ela e mais algumas amigas dormiam. Zulmira era oriunda da região de Irecê. E, durante o período da colheita de mamona em Cafarnaum, ficava alojada nas fazendas, assim como também Carlão, todo ano partia de sua terra natal, a cidade de Salobro para colher mamona. Nem ele nem Zulmira tinham muita leitura, mal sabiam escrever os seus próprios nomes. No entanto, possuíam bastante coragem para enfrentar o calor escaldante, a poeira vermelha, a dureza do trabalho braçal, a falta de conforto, alimentação mínima, a água salobra enfim, a aridez do sertão. Eram iguais em muitas coisas.
Carlão espiou pela fechadura da porta e viu uma luz bruxuleante de uma lamparina de gás, no interior da cabana de sapé. E, para seu espanto, viu um vulto andando de um lado para o outro. Ficou na espreita. Sim, era ela, a sua Zulmira aflita para sair porta afora e fazer xixi no mato. A colega a qual ela insistia para sair em sua companhia se recusava a sair da cama. Naquela hora da noite era proibido aos trabalhadores andar pela propriedade. Zulmira saiu devagar para não chamar atenção, deixou a lamparina em cima de um banquinho de madeira na salinha da frente, perto da porta. Acocorou-se em baixo de uma moita de galhos secos nos fundos da cabana. Carlão prendeu o fôlego, pois, da posição em que se encontrava podia imaginar as partes íntimas da amada. Estava em frente a ela e maldisse a escuridão da noite por não permitir que visse os mistérios gloriosos da mulher amada. Com a respiração ofegante tentou chegar mais perto, tropeçou num galho seco e caiu, soltando um gemido. Zulmira cortou a urina e na tentativa de correr caiu também. Carlão se aproximou, tapou-lhe a boca e sussurrou-lhe aos ouvidos, ternas palavras de amor. Ela com as calcinhas arriadas, o coração disparado e o corpo trêmulo, desmaiou.
Carlão com extremo cuidado levou-a para frente da cabana de sapé onde a luz fraca da lamparina lutava para ficar acesa. E, debaixo de um pé de gameleira deitou a sua amada suavemente no chão. Colocou fumo de rolo no nariz dela e depois rapé. Zulmira soltou um espirro esbugalhando os olhos ensaiando gritar. Carlão deitou-se sobre ela e com as mãos rudes acariciou-lhe o corpo que de medo e prazer cedeu aos encantos do sertanejo valente. A lua apareceu naquele instante, como testemunha ocular desse tão esperado momento de amor e paixão. E, os dois esquecidos do risco que corriam, se amaram alucinadamente nas terras vermelhas e quentes do sertão baiano.