Esperança perdida

Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 6 de fevereiro de 2024

Pequena, frágil e bela, assim era Maria da Assunção, nos seus dezesseis anos de idade. Filha de pais lavradores, morava numa pequena casa de um povoado, a cerca de 200 km da próxima cidade grande, da “capitar”, como diziam seus pais, local que não conheciam. Só sabiam de sua existência por ouvir falar e por ver fotos em velhos jornais e revistas que chegavam até eles, deixados por alguém que ali passava para comprar qualquer coisa, revistas as quais a menina guardava como relíquia. Em seu povoado não havia luz elétrica, nem água encanada, tudo era improvisado, luz, por velas que só eram acesas depois das 18 horas, já escurecendo; água, apanhada de um córrego nas imediações. Ela sonhava em sair um dia daquela situação. Casar-se e morar em uma casa digna, como as mostradas nas revistas.

Os pais, ajudados por Assunta, como eles chamavam a sua adorável filha, plantavam verduras: cebolinha, coentro, maxixe, quiabo, pimentão, tomate, alface; e frutas: manga, coco, feijão, banana abacaxi, caju, laranja etc., tudo levado por Manoelzinho, em sua camioneta azul, marca Ford, ano 1961, seminova, que segundo seu dono andava bem, pois o motorista era zeloso e dirigia com muito cuidado. O que atrapalhava era o “poeiral” que subia, quando passava na sua azulzinha, durante a viagem por aquela estrada.

Manoel era o comprador de tudo o que a família Ferreira produzia no enorme sítio, isso há seis anos. O pagamento era a moda do escambo, troca direta de mercadorias, sem a interveniência da moeda. Ele trazia arroz, açúcar, sal, temperos, velas, e outros produtos de necessidades pessoais e da casa, nomeados em lista entregue na última passagem por aquelas bandas. Sua chegada era uma alegria, principalmente da parte de Assunção, quando tinha acesso a produtos de higiene e perfumaria. Ela era muito vaidosa.

Cada quinzena isso acontecia, a excitação da garota começava bem cedinho. Acordava e ia para a estrada, à espera de seu lindo motorista, como ela o chamava. Era paixão recolhida, ele não sabia, embora a cada encontro os olhos dele se iluminavam, o sorriso se alargava, mas na frente dela ficava mudo, era muito tímido. Somente na hora do almoço, alguns encontrões e toques eram praticados entre os dois. Olhares mais ousados eram censurados com forte pigarro, vindo de seu Zé Maria e dona Alfonsina. O disfarce era imediato, cabeça baixa Assunta corria para a cozinha, para buscar mais comida, feita por ela e sempre elogiada pelo ilustre visitante.

Findo o almoço, estava na hora de colocar os produtos escolhidos pelo comprador, arrumado direitinho para não serem machucados, e, carro cheio era ora de partir, levantar poeira. Antes, a caçamba da camioneta era coberta com lona, para evitar pó nas mercadorias.

Certo dia, a formosa garota se dirigiu à estrada para esperar tão aguardada pessoa. À medida que o tempo passava, nada de nuvem de poeira, nada de camioneta, nada de Manoel. Ela, a cada minuto dava alguns passos à frente, para ver se enxergava melhor a estrada. De passo a passo foi se distanciando da casa, olhou para trás e não mais a via, nem a azulzinha de quem ansiosamente esperava. Foi quando bateu a dúvida: será que ele sofrera um acidente? Que se meteu mato adentro e estaria desacordado dentro do veículo? Onde? Isso nunca acontecera, era sempre pontual e nunca faltara uma quinzena sequer.

Aflita, sentou-se num barranco da estrada, para pensar o que iria fazer. Resolveu ir em frente, até chegar ao endereço do comprador das mercadorias do pai. Assustada, lembrou-se que nem isso, ela sabia. Continuou andando, já cansada e anoitecendo. Foi quando percebeu um veículo na estrada. Pediu carona, era um senhor muito educado que a socorreu. Contou para o motorista por que estava naquela situação. Ele então informou que Manoel havia deixado a cidade e nunca mais voltara, fazia exatamente quinze dias. O paradeiro dele era desconhecido, completou o senhor.

Desesperada, saltou do carro e saiu correndo pela estrada, sem rumo. O homem a chamou três vezes, não houve resposta. Tendo que voltar para casa o mais breve possível, ele continuou viagem, deixando a garota seguir o caminho dela. O homem, ao chegar na cidade procurou a delegacia de polícia, prestou depoimento do acorrido e foi para casa. No outro dia algumas pessoas percorreram a estrada até encontrarem a casa dos pais de Maria da Assunção e contaram o ocorrido. Eles, abalados não disseram nada que fizesse sentido ao caso. Passadas quatro semanas já não se falava mais daqueles dois enamorados, que não tiveram o prazer de verdadeiramente se aproximarem.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 06/02/2024
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