PEQUENA TRAGÉDIA DO COTIDIANO
Ela fora linda em seu tempo de juventude. A mais bonita da família, do bairro, ganhou alguns concursos de beleza, porém foi no Teatro que despontou e performou como uma grande diva. Agora, aos setenta e oito anos, quis voltar a atuar, mas envelhecida, ninguém mais quer lhe dar um papel. Todos os diretores e produtores lhe viram as costas. Não atendem seus telefonemas. Por um tempo ela não entendeu que já tinha envelhecido. Sente-se sozinha, abandonada. Não tem mais ninguém e foi só porque recolheu contribuições ao Seguro Social é que tem esse pequeno apartamento. Vive de sua minguada aposentadoria. É seu primeiro e único imóvel. A rua é bonita, o apartamento é ensolarado, minúsculo, mas é seu. Sala, um quarto, cozinha conjugada à lavanderia e um banheiro, só seu. Tem por companhia o seu gato.
A beleza do corpo já não existe, o que torna sua vida dolorosa. Ao se olhar no espelho só vê a decadência física. Psicologicamente ainda se sente jovem, mas o pescoço é o primeiro a dizer que não. Depois vêm os lábios. Afinaram, parecem uma linha. Ela que tivera lábios carnudos que o falecido marido tanto admirava. Sim, hoje existem os preenchimentos, o silicone, o Botox, mas claro que a aparência não fica natural. As mulheres que usam esses artifícios mais parecem uns peixes, com bocas e lábios enormes. Os olhos, outrora tão vivos e brilhantes, agora mal se pode vê-los atrás das lentes de aros grossos, para perto e para longe.
As pernas não reagem, têm veias roxas, sofre com a insônia e levanta muitas vezes para ir ao banheiro, a bexiga pede para expulsar os líquidos. Morre de medo de ter que usar fralda, cheirar mal...
Todo dia aumenta o número de coisas que não pode comer. Já não tem bons dentes e muitos alimentos lhe fazem mal. Quanto mais saudável a comida mais cara ela é. De seu pequeno benefício não sobra dinheiro para boa comida e nem para remédios que estão a preços proibitivos E, de um bom dentista, melhor nem falar.
O clima é um tormento. Os meses de verão passa no pequeno apartamento, abafada, transpirando, cercada de cimento por todos os lados. Somente um ventilador lhe dá algum alívio, mas não pode deixá-lo muito tempo ligado para não aumentar consideravelmente a conta de energia. No inverno, sem calefação, dorme com muitos cobertores. Os velhos vivem sempre com frio!
Com relação ao principal pavor da velhice, a solidão, se arrepende por não ter feito mais amizades, não ter tido filhos, e pensa: Nos países desenvolvidos os cientistas fazem um esforço enorme para prolongar a vida. Para quê? Colecionar velhos dos quais ninguém, hoje em dia, tem tempo para cuidar? Nem tempo, nem dinheiro, nem espaço e, às vezes, nem vontade?
Porém ela não se entrega. Tem sempre um pequeno projeto para cada dia. Então, levanta-se, mesmo que o corpo queira permanecer no leito o dia todo. É disciplinada, faz força para sair da cama toda manhã. Porquê no dia que não o fizer, ficará deitada para sempre, para todo o sempre.