Imaginável recomeço
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 31 de janeiro de 2024
Marcos Laranjeira, advogado em ascensão profissional, casou-se muito cedo com Izolda Francioni, de descendência italiana, moça bela, de tradicional família paulista, fina e elegante causava admiração aos que por ela passavam. Na comemoração dos dois anos de casados, nasceu Antonella, garota linda, que crescia inteligente e esperta. Aos dez anos sua mãe abandonou marido e filha, deixando-os aos cuidados de dona Marieta, mãe do marido.
Aquela casa virou uma bagunça, ninguém se entendia. O Dr. Laranjeira, como era conhecido no meio advocatício, quase não parava em casa. Passava os dias atendendo clientes, e nas horas vagas, estudando para prestar concurso, sua pretensão era ser juiz federal. Antonella, com a ausência da mãe passou a sentir-se abandonada, perdendo o ânimo até para estudar. Com 16 anos abandonou por completo os estudos e outras atividades que eram realizadas fora do ambiente do lar, onde vivera comodamente e alegre, quando reinava paz na família. A bela casa em que vivia com a mãe, já não fazia o menor sentido. Só fazia a higiene corporal quando sua idosa avó, de tanto implorar e não se ver atendida, ameaçava abandoná-la também.
Com o passar do tempo, Dr. Laranjeira conseguiu ser aprovado para juiz, sendo empossado imediatamente, lotado na capital, não precisando afastar-se de Antonella. O horário de trabalho como juiz lhe permitia dispensar maior atenção à filha. A presença constante do pai fazia-lhe bem, a ponto de desejar se organizar, voltar a estudar, frequentar com o pai, lugares há anos esquecidos. Voltou a cuidar do corpo e do se vestir bem. Muito parecida com a mãe, não se impressionava com isso, pois não se lembrava do rosto dela e, muito menos, dos seus atrativos pessoais. Pai e filha não tinham nenhum contato com a família de Izolda Francioni, houve um apagão completo da sua identidade e da família dela. Foi isso que muito abalou Antonella. As relações de afeto familiar acontecia entre eles. O pai ficava perturbado quando olhava para a filha. Não havia nada que se assemelhasse a ele. Era sempre a foto da mãe à sua frente.
Aos 25 anos, formosa e cheia de vontade de recuperar o tempo perdido, passou a estudar para recuperar o desnível entre idade e nível escolar. Tudo isso fazia com muito interesse e disposição, queria impressionar o pai, que lhe devotava muito amor e carinho. Mostrar a todos que merecia uma nova chance para ser alguém na vida, ser feliz, era o seu objetivo, nada de causar desgosto ao pai, ele não merecia.
Ela progredia, não fez faculdade, mas passou a se dedicar a fazer pessoas felizes. Escreveu um livro contando sua história de vida, como venceu aquele estado letárgico, sua inércia, seu torpor durante todo o tempo que tomara conta da sua existência, até perceber que aquilo não estava certo, era necessário acordar e recomeçar sua vida, sem depender de ninguém. Pai e filha fundaram o Instituto “Todos têm o direito à felicidade”, com abordagem que a felicidade é um direito inalienável do ser humano. Lendo o filósofo Immanuel Kant (1724/1804), na obra “Crítica da razão prática”, absorveu que a felicidade é “a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade.” O objetivo do Instituto era trazer as pessoas que se encontravam em estágio de inércia, ao pleno gozo da vida, alimentando-as com múltiplos interesses e relações com outras pessoas, para serem felizes. Foi um sucesso!
Antonella continuava no seu entusiasmo de fazer gente feliz. Somente não conseguia influenciar o pai, nessa campanha. Ele vivia triste, pensativo, o único momento de felicidade era estar perto da filha. Eles se amavam, e a desconfiança de ela não ser sua filha aumentava. Certa ocasião a garota encontrou o pai chorando e correu para saber o motivo. Tomando coragem ele contou da desconfiança sobre ser pai dela. O susto foi enorme, acalmada veio a sugestão de fazerem o teste de DNA, logo aceito por ambos. O resultado comprovou a desconfiança do Dr. Laranjeira, Antonella não era sua filha.
Não ficaram surpresos com aquele resultado, já que confirmaram que o que havia entre ambos, não era amor filial, mas um amor de verdade, entre dois seres adultos e conscientes, e nada que fizessem, de agora em diante, seria censurado pela sociedade. Sem qualquer constrangimento, resolveram se casar, para continuar sendo felizes.