O assaltante carente
Cidadão estava parado há duas horas num ponto de ônibus localizado em Milhópolis, último distrito de Magé. Além da espera interminável, o calor também era ultrajante. Para piorar, não passava uma alma viva naquela estradinha de terra. Até que, lá pelas tantas, e numa velocidade de cágado bêbado, um sujeito magrelo surgiu montado numa magrela enferrujada. Ao avistar o então cidadão solitário, ele parou de pedalar, aproximou-se e iniciou a conversa.
- Tarde.
- Tarde.
- Tá vindo de onde, forasteiro?
- Moro no Rio.
- Sua casa tá longe. Perdeu algo por esse fim de mundo?
- Ganhei, na verdade.
- Não entendi.
- Meu tio morreu na semana passada e deixou um sítio no testamento para mim.
- Você é sobrinho do Paulinho Paçoca?
- Como você sabe?
- Rapaz, sabe quantas pessoas moram nesse distrito? Dezoito! Todas se conhecem. A morte do Paçoca foi sentida por nós.
- Ele era realmente muito querido.
- Queira desculpar minha falta de educação. Não me apresentei: sou Leitão Cheiroso, o maior assaltante da região.
- Nunca vi um assaltante roceiro. Como você consegue se manter numa área que sequer possui birosca? Quais são suas vítimas?
- Os forasteiros.
- Ah, entendi.
- Pela sua tranquilidade, não.
- Entendi. Você assalta os forasteiros.
- E então? O que falta? Vai demorar muito?
- Eu? Quem está demorando é o ônibus!
- Não, meu chapa! Vai demorar para me entregar sua carteira?
- Isso é um assalto?
- Sim. Parece procissão?
- Mas eu não sou forasteiro! Sou morador!
- Morador era seu finado tio. Você é, no máximo, um candidato a futuro vizinho. Anda, passa o tutu!
- Eu só tenho o dinheiro da passagem!
- Não tem problema. A grana estará de passagem no meu bolso.
- São quinze quilômetros até o Centro da cidade!
- Estou lhe fazendo economizar o dinheiro da academia! Você vai se exercitar de graça! Anda! Passa o tutu e desapareça!
Três dias depois, o cidadão voltou para buscar um documento deixado no sítio. Na volta, mais uma espera interminável pelo ônibus. Adivinhe quem apareceu?
- Não aprendeu, né, forasteiro.
- Você de novo? O que está fazendo aqui?
- Eu moro na região, esqueceu? Anda...
- Andar pra onde?
- Não se faça de sonso. Passa a carteira.
- Outra vez?? Você me assaltou há 72 horas!
- Sua displicência é incrível. A essa hora o ônibus não passa.
- Nem sei que horas são!
- Hora de passar a grana!
Na semana seguinte, mais um encontro.
- Como vai, forasteiro?
- Não me diga que...
- Digo! Passe a grana!
Duas semanas depois, a velha novidade.
- Já estava sentindo saudades, forasteiro!
- Não encha meu saco! Tome!
Três meses depois, o re-re-reencontro.
- Não me abandone, forasteiro!
- Só não lhe xingo em respeito ao seu revólver!
Desde então, o tal forasteiro nunca mais foi visto na área. Para tristeza de Leitão Cheiroso que além de ter obtido uma renda extra, voltou a se sentir solitário. Assaltos à parte, era muito bom ter a oportunidade de conversar com alguém. Mesmo que esse alguém fosse sua vítima.
No Dia de Finados, uma pessoa diferente apareceu no ponto de ônibus. Quando reparou a novidade, Leitão Cheiroso pegou a bicicleta (devidamente consertada graças ao dinheiro do assaltado cidadão) e rumou em direção ao velho conhecido.
- Poxa, forasteiro! Que falta de consideração, hein! Por que você sumiu...
- Eu te conheço? - questionou o outro.
- Você não é ele! Cadê ele?
- Quem?
- O sobrinho do Paulinho Paçoca!
- Virou maratonista amador, ganhou três corridas, tomou gosto pela coisa e se profissionalizou. Hoje, ele está disputando a maratona da China.
- Mas...
- Ele disse que a vida mudou graças a um tal de Porquinho Perfumado...
- Leitão Cheiroso!
- Isso. Esse cara fez com que ele caminhasse bastante. Tanto que as andanças lhe garantiram o gosto pela maratona.
- Então ele não volta mais pra cá?
- Só se for de helicóptero!
- Quem é você?
- Sou o outro sobrinho do Paulinho Paçoca. E você?
- Sou...Torresmo Aromatizado! Quer carona até o Centro?
- Não, obrigado. O ônibus está para passar.
- Hoje é feriado, amigo. Não tem mais ônibus. Vamos, sente-se no bagageiro! A bicicleta está novinha!
- Tô vendo! Compra recente?
- Não, foi reformada...por um grande amigo.
- Cadê ele?
- Me abandonou. Foi para a Cochinchina! Ingrato!