O Toninho que tremia
Tarde de muito calor. Estava eu sentado no meio-fio em frente à loja de móveis de meu pai. Com cinco anos incompletos, sem amiguinhos para brincar, observava as pessoas que entravam e saiam do Banco Econômico da Bahia do outro lado da rua. A maioria andava devagar, um ou outro apressado. Uns bem-vestidos, outros com roupas desgastadas, tintas ou graxas nas calças. Pouquíssimas mulheres. Eis que vem atravessando a rua, em minha direção um homem que, a cada dois ou três passos, tremia todo o corpo. Cada vez mais próximo, eu assustado, corri e me agarrei as pernas de meu pai. Olhando de soslaio, via que ele se aproximava. Eu tremia... ele tremia. Meu pai disse para eu me virar porque ele queria me entregar algo. Um pássaro de papel (origami ou kirigami?). O medo dissipou-se de imediato. Era um rapaz oriental, surdo-mudo, que surgia de tempos em tempos na cidade, com sua incurável distonia. Não sei o nome dele. Neste texto, batizei-o de Toninho. Sempre que vinha até a loja, procurava o eclético Manuel, lustrador de móveis, ali trabalhando, conhecido como Escurinho no meio futebolístico, ponta-direita do time da cidade e, também, crooner da orquestra do Rancharia. Orquestra estilo big band. Manuel o recebia efusivamente e cantando. Eu não entendia como o Toninho, um surdo-mudo, apreciava a cantoria. Eu achava que ele gostava dos movimentos corporais que o Manuel fazia, imitando os gestos do Nelson Gonçalves, do Orlando Silva quando cantava. Eu não sabia, mas a ciência ensina que pessoas com deficiência auditiva podem apreciar a música do mesmo modo que os sem deficiência. Surdos chegam a compor músicas. Está comprovado que eles sentem, na mesma região dos cérebros dos não deficientes, as vibrações da música. Parece que os efeitos são muito parecidos, quando as vibrações entram pelas mãos, pés e mesmo pelo abdômen, quiçá o corpo todo, e vão para o cérebro. Li que Beethoven, já surdo, sentava-se no chão, para receber as vibrações e apreciar as músicas ou mesmo compor. Tive o privilégio de visitar o museu na casa do Beethoven, em Bonn, na Alemanha. Sentei-me no chão, ao lado do rústico piano dele, com as teclas bastantes desgastadas, e ali fiquei por um “longo” e inesquecível minuto.