MARY METEORO
MARY METEORO
OLHEI EM VOLTA e lá estava ela. Desejo e sedução. Havia saído não sei de onde. Vinda, benvinda dos confins do universo, talvez. Uma mágica que se materializara próxima a mim. Um flash de luz pronto para se desintegrar na minha atmosfera, ou na de quem estivesse sob a influência de uma gravidade planetária. Uma estrela cadente a ponto de dissolver-se na entrada de uma aerosfera ambiental: eu.
ELA IMAGINAVA, talvez, que estivesse protegida pelo campo de força vetorial pessoal, enquanto não estivesse em contato com outra força próxima que julgasse familiar, social. Ela aproximara seu corpo do meu. A força magnética encontrava em mim ampla receptividade irrestrita. Em meu campo visual nosso viço contribuía para uma aproximação de mútua vivacidade.
ESTÁVAMOS A viver um tempo de guerra, um tempo sem dó. Nossos familiares com relação à juventude da época, eram múmias ambulantes a vagar dentro do lar doce lar, sem que soubessem como orientar aqueles seres que haviam criado por proximidade de óvulo e espermatozoide. Do lado de fora dos lares, outro tipo de opressão nos esperava: a opressão política dos militares que se haviam instalado no poder executivo e demandavam procedimentos de perseguição, prisão, tortura e, por vezes, morte de seus adversários de ideologia.
ÉRAMOS PRODUTO de dois gametas que se fundiram para formar uma única estrutura chamada zigoto, no esgoto de uma sociedade que agonizava seus valores gagás, no caos de uma história que se fazia abortar à fórceps. Tudo era novidade e ao mesmo tempo extinção de um tempo passado representado pelas múmias familiares que pareciam não saber de nada mais que o querer se preservar a qualquer preço.
ESTÁVAMOS POR conta das contingências, dos imprevistos, da eventualidade. Teríamos de sobreviver. Afinal, éramos uma geração que se sucedia ao bacalhau caseiro da maternidade. De uma maternidade modelo da mais antiga ancianidade. E lá estava ela, Mary Meteoro, do meu lado. Para o que desse e viesse. Expulsa do planeta original da familiar ansiosidade. O mundo antigo da família não era mais do que uma velharia, uma quinquilharia, uma antiqualha.
QUEM NOS guiaria em direção ao mundo vindouro, se ninguém sabia que mundo seria esse??? Estávamos perdidos na noite, no coração das trevas entre a negra antiguidade e o novo mundo do qual éramos a galhada, na árvore da vida que à-toa se renovava.
O EMBRIÃO que éramos, estava na fase de desenvolvimento de células nos dias subsequentes à fertilização num mundo de guerra-fria, de conflitos internos e externos. Nesses dias conflituosos estávamos, quando muito, em estágio de mórula, com células de sobrevivência, na marra, sendo compactadas. A luta inglória para chegarmos, em sentido figurado, ao estágio de blastocistos. O futuro não nos reservava um estágio ideal para nos fixar no útero de uma sociedade que simplesmente nos desprezava.
A SOCIEDADE familiar e a comunidade das irmandades de interesses escusos, estavam ocupadas na evacuação desses jovens meteoros destinados a se dissolver, quando da entrada na atmosfera social planetária, aquecida por interesses maquiavélicos, dos quais teríamos de, por força das circunstâncias, nos adaptar.
E LÁ ESTAVA ela, próxima a mim, Mary Meteoro. O único tesouro que ela almejava era mesmo o prazer fugaz??? Acredito que não. Talvez. Não sei ao certo. Mas a chama que nela se renovava no desdobramento do depois, não tinha a consistência de alguém que persistia na vitalidade do pensar. Ela não pensava, senão no curto prazo de uma aventura com cinquenta tons de cinza.
ERA ELA impulsionada por forças siderais. Momentâneas. Forças que a faziam precipitar-se no grande oceano da inconsciência. Ela se guardava numa Caixa de Pandora que imobilizava seus juízos num mar de letargia. Nada nela surgia que não fosse a limitada precipitação no mundo pequeno que adviria do impacto com a terra ou, na melhor das hipóteses, na superfície receptiva das águas do sorvedouro mar.
SUA VIDA não vicejava nela mesma. Um meteoro necessita de velocidade para se precipitar na atmosfera de um planeta, nos gases presentes na mesosfera. Quando ela atingia o objetivo de adentrar na aura de um amante ocasional, era uma estrela cadente que se desintegrava, mas não sobrevivia à entrada na atmosfera curiosa e diletante do amante da vez.
O FENÔMENO luminescente de seu corpo nu, estimava tesouros de descobertas que não se confirmavam na realidade da entrega. Ela não somava em seu pensar pequeno, a sobrevivência na nova atmosfera que experimentava no orgasmo que se dissolvia no corpo cru e ríspido em proveito próprio e do amásio diletante.
AS LINHAS de fluxo e refluxo decorrentes da instabilidade e inquietação, causavam nela uma certa irritabilidade nervosa que a fazia, sempre, simular um relaxamento que não existia. Fechava-se nela mesma, impulsionada pela inquietação do comportamento compulsivo que busca, outra vez, precipitar-se em direção à uma nova atmosfera de fogo, água e solução de gases, a renovar a ansiedade que também no amásio se revitalizavam.