Isqueiro
Era uma tarde ensolarada de quinta-feira. Garimpava alguns LPs na Bill's Discos enquanto conversava com Josias. Ele tentava me convencer a ouvir alguma coisa do King Diamond.
—Não gosto muito, os agudos me dão dor de cabeça.— Argumento. Pego um exemplar doWildhoney do Tiamat e leio a capa. Josias dá de ombros e muda de assunto.
— Aconteceu um fato curioso enquanto eu vinha pra cá.
— Hum...
— Na calçada da rua Aurora, tinha uma velhinha sentada no degrau de uma porta. Enquanto eu passava ela me pediu o isqueiro emprestado.
— E o que tem demais nisso?
— Eu não estava fumando, e tinha bastante gente na rua, como ela sabia que eu teria um isqueiro?
— Sei lá... Quem sabe você tem cara de tabagista.— Devolvo o disco à estante e procuro outro.
— Sei não, ela tinha uma cara de bruxa. Era mais enrugada que um maracujá de gaveta, magérrima e frágil. Mas assim que emprestei o fogo ela demonstrou agilidade e tenacidade incríveis.
Separo dois discos e me despeço do Josias. Na segunda esquina na qual dobro a direita uma velha surge de uma janela que eu não lembrav que existia.
— Me empresta o isqueiro menino? — Parei de fumar há mais ou menos um ano, mas naquele dia havia colocado um Bic no bolso por hábito, um ato não pensado. Ela acende um Derby e me devolve o isqueiro enquanto dá uma tragada profunda e pisca o olho direito.