HOJE É DIA DE OFICINA DA PALAVRA
HOJE É DIA DE OFICINA DA PALAVRA
Oficina da Palavra, para quem desconhece, é um lugar onde pessoas interessadas em literatura se reúnem, em média por três meses, três horas por dia, um ou dois dias por semana, para trocar ideias e figurinhas literárias, sob a supervisão de um autor de livros.
Candidatos a poetas, contistas, romancistas, noveleiros, ego maníacos de todas as tendências, buscam, durante este período de tempo, ouvirem-se, aprender com a leitura, em ambiente coletivo, de textos de mútua autoria.
Dominar os princípios da ciência e da arte de escrever: este, presumo, o objetivo de todos. Alguns vêm para descobrir que seus entusiasmos pessoais neste sentido estão muito longe de se tornarem realidade. Os mais persistentes não desistem. Os "turistas", de quando em vez aparecem.
Descobrem que escrevinhar contos, romances, poesias e crônicas não é tarefa das mais fáceis. Quem está em busca de facilidade logo percebe que não vai encontrá-la em literatura. Escrever é saber conhecer-se a si mesmo.
Os que acham, num rompante de entusiasmo pessoal, ter descoberto a pólvora da literatura, cedo ou tarde hão de concluir que ela é um exercício mais de transpiração do que de inspiração: 99% de trabalho intelectual pesado, para estivador nenhum botar defeito, e 1% da suposta mística.
Os membros da Oficina são de diversas faixas etárias, de diferentes nichos sociológicos. Desejam aprender a burilar as palavras, assim como qualquer atividade precisa de estímulos exteriores para progredir. A atividade literária possui igual necessidade.
Os neurônios dos candidatos ao discernimento literário excelente, são motivados a partir das várias áreas do cérebro, a trabalhar as razões e a emoção do escrever. As conexões neuronais, literárias, buscam a educação pela arte e a técnica de se humanizar aprendendo macetes com quem muito já escreveu.
Detenho-me, neste momento, na análise das motivações literárias de uma garota. Ela se acredita muito jovem, pretende que sua idade seja uma vantagem decisiva sobre os demais companheiros de jornada no aprendizado da palavra.
Desobriga-se por isso de mostrar seus escritos. Eles por certo existem. Talvez tenha receio de que a sensibilidade e os sentimentos mais recônditos possam ser mal interpretados. Quantos brutamontes nesta sala. Não deseja se expor. Principalmente se aquele coroa filho da mãe estiver presente.
Aquele, que nada malha no papel, mas sempre vomita um discurso de meias-palavras, agressivo, no sentido de depreciar a leitura dos trabalhos dos que evidenciam emoções, pensamentos e conceitos, através da alma das frases: os sentimentos e emoções expostos a partir do uso conotativo dos substantivos e verbos. Principalmente.
Poderia fixar-me na tênue consistência emocional das personagens daquele rapaz, que joga no papel uma ficção pouco científica, refletindo a personalidade flutuante devido às sequelas do uso experimental de drogas.
Sim, por que não fazer uma crítica sobre o livro daquela balzaquiana simpática? Sua prosa intelectualizada motivada pelo uso contumaz do prozac. Versa sobre as asperezas da mãe madrasta sociedade. Ela acredita que as motivações que conduzem as pessoas a situações difíceis, vêm sempre do interior delas mesmas. Precisa fazer uma leitura de Max Weber (Teoria dos Juízos de Valores ou de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo).
Por que escrever logo sobre ele, "seu" Jacy, que está com um pé do lado de dentro e outro do lado de fora da cova? Um pouco como todos os que estão vivos. Não será covardia de minha parte? Falar logo dele, que está entrincheirado atrás dos muros intelectualmente elaborados de suas frustrações?
"Seu" Jacy lembra-me um conto infantil, O “Asno de Buridam”: após atravessar às duras penas um longo trecho da caatinga de sua vida seca, está tão desesperado de fome e de sede de viver que, após chegar num trecho mais ameno da inóspita geografia tropical, em plena zona da mata, se depara com uma refrescante tina de água límpida de um lado, e do outro, com um cocho de feno.
Tudo que ele precisa é beber um pouco de água fresca, comer da deliciosa erva, ceifada e seca, temperada por sua urgência de consumir avidamente o alimento renovador em sua nômade miséria.
Porém, a ansiedade por satisfazer-se simultaneamente da água e do feno, paralisou seus membros cansados e tensos. O “Asno de Buridam” morreu imobilizado por sua própria indecisão. O pão e o vinho da vida tão próximos e ao mesmo tempo inalcançáveis.
O paralelo com a figura de "seu" Jacy é que ele nem bem nem mal escreve. Parece imobilizado por suas teorias. Catatônico defensor de uma estética da possibilidade de escrever melhor, como os grandes mestres da literatura que possivelmente terá lido.
"Seu" Jacy é uma lição para todos. Um ensinamento para não ser seguido. Uma advertência para a moça que talvez esteja demasiado tímida, entrando nessa viagem de se esconder. Alguém precisa dizer-lhe que precisa ter a mínima coragem de se desnudar. Tirar literalmente a roupa de suas defesas diante do espelho do "outro". Dos demais membros da "oficina".
O rapaz, por certo aprenderá a escrever, a partir do exercício da autocrítica. Precisa fazer a junção entre tempo literário e tempo psicológico. "Seu" Jacy prosseguirá exibindo uma erudição livresca, uma cultura inútil, uma autoafirmação otária.
Alguém precisa dizer-lhe que é pelo exemplo que se constrói um valor, um conceito, uma estética ou um estilo. Não malhando verbalmente o árduo trabalho de criação literária dos companheiros de Oficina, neófitos do aprendizado da palavra. Tudo isso para afirmar a ausência, a privação pessoal e coletiva da inexistência de seu texto.
Talvez seja para ele um enigma o lugar onde se escondem as musas.