"O fluir entre a chuva e as lágrimas".

Ando pelas ruas de maneira quase que automática.

Não olho ao meu redor.

Passos firmes.

Apenas sigo em frente sem ter um lugar especifico para ir ou onde chegar.

Pergunto-me se sei onde realmente desejo estar.

O tempo mudou.

O calor que outrora me incomodava deu lugar ao clima ameno.

O vento gelado sopra trazendo pequenas gotículas de chuva que aos poucos molham meu rosto, roupas e corpo.

A sensação é gostosa.

Há quanto tempo não faço isso?

Nem me lembro.

Caminhar em dia de chuva sem nenhuma proteção.

Meus cabelos já úmidos pela garoa que foi se tornando cada vez mais espessa, me traz a sensação de calmaria.

Sinto gotas escorrendo por ele, a água fluindo.

Respiro fundo e penso o quanto o elemento água me atrai.

Justamente por essa fluidez que o transforma e lhe traz a possibilidade de fundir-se com quase tudo.

Transformar-se e contornar barreiras.

E ir além.

Sinto um aperto em meu peito ao imaginar ir além.

Olhos e braços abertos em direção do que se quer.

Controlo-me tentando conter a enxurrada que vai aqui dentro.

Ela não me lava.

Não livra-me de toda e qualquer imperfeição.

Ela destrói as inúmeras barreiras que construí a base de muito custo.

Só para me sentir sã.

Provar para eu mesma que controlo o que sinto.

Meus pensamentos angustiantes fazem com que meus passos fiquem mais rápidos.

Ouço seu barulho ao pisar no chão.

Como se fossem sussurros ritmados batendo em conexão perfeita com o pulsar do meu coração.

Minha vista fica turva quando me dou conta que não consegui conter as lágrimas.

Elas insistem agora em escorrer pelo meu rosto se misturando as gotas de chuva.

E eu só penso com alívio que ninguém há de notar.

Líquidos que se juntam.

Não importa de onde surgem.

O sentimento não estará aparente ali.

Ontem mesmo conversava com um amigo sobre a sensação de vazio.

E ele me questionava se algum dia eu já senti como se não houvesse nada por dentro, mesmo as coisas estando aparentemente bem.

Surpreendi-me com a minha resposta tão ligeria a uma pergunta tão complexa.

Lhe disse que é como sinto-me desde sempre.

E foi justamente esse fato que fez-me construir barreiras e ser como sou hoje.

Tudo fica mais fácil quando há aceitação desse vazio.

E eu sei que o meu não foi e nem será preenchido pelo simples fato de não saber o que me falta.

E preciso seguir em frente mesmo ele existindo.

Como para me lembrar que provavelmente estou perdida?

Não...

Para lembrar-me que posso deixar adormecido e focar em outras coisas.

Calculista talvez ou apenas cautelosa?

Um pouco dos dois eu diria.

Fui forjada como as espadas.

Que se coloca sobre a brasa quente, molda e resfria no puro gelo.

Assim o metal vai ganhando forma e mais que isso, vai sendo lapidado transformando-se em algo letal.

Minha letalidade hoje está em baixa.

O vazio quase sufocou-me como se tivesse na beira de um abismo pensado quais minhas probabilidades caso me jogue.

Respiro fundo.

Clareio a mente.

Volto a concentrar-me na chuva.

Na sensação de frio gostoso que percorre meu corpo.

Na roupa e cabelos ensopados.

E no barulho dos passos.

Água que desejo que ao fluir leve com ela o que quiser.

E se possível apague de mim as marcas dáquilo que não me elevam.

Apenas resgatam a parte mais selvagem e escondida.

Blandos Vultus
Enviado por Blandos Vultus em 14/01/2024
Reeditado em 14/01/2024
Código do texto: T7975979
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.