ACOLHIMENTO
Era aula de português e produção de texto na terceira série
Do Colégio Black Gold, um dos mais caros e renomados da cidade
Todos os alunos, com oito anos de idade completos ou incompletos,
Filhos de pessoas com ótimas condições financeiras exceto a pequena Ayana
Que tinha sete anos completos e era filha de uma diarista e um jardineiro.
A “linda flor” era carinhosamente chamada de “pretinha”
E os patrões de seus pais ficaram encantados com sua capacidade intelectual.
Ela era aluna nota dez por excelência na Escola Municipal em que estudava
E com um ano a menos na idade estava bem à frente dos outros alunos.
Os empregadores, um médico e uma professora, dos genitores da menina,
Que tinham apenas uma filha decidiram custear os estudos da Ayana também
Para tanto, ela foi submetida a uma prova na célebre Instituição de Ensino
E a pequena não obteve nota menor que nove (9.0) em todas as matérias.
Excelente!
A classe do quarto ano do Ensino Fundamental tinha como avaliação
Escrever um texto sobre um sonho que eles gostariam de realizar
E ler para a turma. A pequena Ayana foi escolhida como a primeira
A reproduzir oralmente seu texto.
Então, ela começou dizendo que o seu sonho era construir uma escola gratuita e acolhedora
Só para crianças que moram na rua. O nome seria ACOLHIMENTO.
E o título do seu texto era: VENHAM PARA O ACOLHIMENTO, VENHAM!
"Se estiver frio eles aquecem a gente
Oferecem cafezinho, chocolate quente e abraço quentinho
Se estiver calor eles nos refrescam com banho de água gelada
Servem sorvete com cobertura de chocolate, suco de uva e limonada
Venham e não importa se somos diferentes
Podemos gargalhar escandalosamente ou sorrir sem mostrar os dentes
Juntam-nos para dar um perto de mão, um abraço, um beijo
Ou somente um sorriso de alegria
Mas sem influências, sem julgar aparências e sem indiferenças
Nada mais é preciso além da simples e pacífica convivência.
Nem a Gramática, nem a História, nem a Geografia,
Nem a matemática ou qualquer outra Ciência."
Venham para o acolhimento, venham!
Um instante de silêncio e em seguida muitos aplausos, gritos e assovios;
Sorrisos, lágrimas, olhares mútuos de perplexidade e euforia.
Um grupo de amiguinhos correu em direção à “pretinha”
E acolheram-na num múltiplo abraço.
A pequena Ayana vislumbrava que todos os adultos cuidassem assim das crianças
Seus sentimentos pueris e sinceros, sua fé inabalável e sua incrível sapiência
Transformaram-na no xodó, na mascote, na referência do colégio.
Seu singelo texto foi emoldurado e apregoado na escola para ser eternizado.
(Ayana: o nome tem origem na Etiópia e significa “linda flor”).