UM DOLOROSO INCIDENTE
Num final de manhã do mês de agosto, uma professora se desloca de uma escola a outra carregada de material escolar, testes e provas a serem corrigidos. Esse processo envolvia o descer de um ônibus, andar quatro quadras e pegar outro. No trajeto em que caminhava, ao apoiar o pé na calçada, sentiu o frio da laje e o desconforto de estar descalça na rua, local onde circulam estudantes das escolas em que trabalha. Num momento, não sabia o que fazer: parar e recolher o solado do sapato, ou continuar andando como se nada tivesse acontecido; porém, ao ouvir risos e expressões como: "Coitada!", "Que azar!", Que humilhação!", recuou, sem virar-se, até tropeçar em algo. Agachou-se, usando como apoio, um guarda-chuva, comprado na esquina da Borges de Medeiros com a Salgado Filho por dois reais no dia anterior, o qual foi dobrando lentamente para o lado esquerdo, agravando a situação da infeliz educadora que se vê estendida na calçada.
O sentimento de vergonha e de tristeza tomou-lhe conta e a levaram a retirar o outro sapato, juntar o danificado, erguer-se e sair em busca de uma loja de calçados.
Ao andar descalça por duas quadras no Bairro Azenha, mil idéias lhe passaram pelo pensamento, mas uma delas a levou ao pânico: "Como comprar um par de sapatos se estava sem dinheiro?" Alguém percebeu a sua palidez e lhe perguntou se precisava de ajuda. Virou-se, pois a voz vinha do interior de uma loja. Olhou aflitamente para a garota que havia falado, parou e disse:
– Preciso de um sapato, porém estou sem dinheiro!
A balconista sugeriu que usasse cartão de crédito ou talão de cheque, o que a azarada profissional não dispunha, pois, certa ocasião em que foi assaltada, enfrentou vários transtornos. A jovem lhe explica que assim não é possível negociar. No entanto, a gerente, a qual ouvira a conversa, sensibilizada com a triste realidade, autoriza a venda. A professora propõe deixar como garantia sua pasta com os trabalhos escolares enquanto vai ao banco. Entre a escolha e os acertos, passaram-se poucos minutos. De pés "vestidos" e um leve sorriso no rosto, Vera sai apressadamente da loja. Ao pisar na calçada, percebe que está começando a chover, volta e apavorada pergunta à vendedora:
– Este sapato não corre o risco de desmanchar-se com a chuva?
A garota, sorrindo, assegurou que não e que poderia ir tranqüila. Quase correndo, foi ao Banrisul, sacou o dinheiro e retornou ao local. Chegando, efetuou o pagamento e, ainda, comprou uma sombrinha. Agradeceu aos funcionários, pegou sua pasta e dirigiu-se a outra escola com uma grande sensação de fracasso e de tristeza.