Viuvinhas migratórias

Austregésilo, Tregê para os íntimos, já não briga nem troça dos disparates da patroa: qualquer manifestação sua piora as coisas... até dar-lhe razão pode acender a fogueira da cizânia:

- Você pensa que me engana? Tá dando uma de bonzinho, né? O que tá querendo? Tá vendo como eu tô certa?

Quando virava do avesso, ah, era um dia de cão, de um lado, e de lamúrias do outro:

- Bem que mamãe falava que você era um traste... Que arrependimento...

Austregésilo se lembrava de quando a mulher do 108 se mudou para o condomínio. A "contra metade" proibiu-o de olhar pra ela, de descer de elevador se ela estivesse dentro, de dizer-lhe bom dia, boa tarde, boa noite. E ilustrava seu ódio:

- Aquela destruidora de lares, olha só as roupas apertadas, lábios carmim-carnudos, essa baixinha, por isso usa saltos "burj-khalifa".. . Bandidona!

Depois de uns meses e muito policiamento, a pseudo Ninfomaníaca se revelou: não passava de mera beata de paróquia, sem diploma nem vocação de adultério. Agora, as duas dividem segredos, receitas, malham juntas, são da comissão de construção da nova casa paroquial e organizam rifas e festas juninas.

Mundo apaziguado não tem graça, agora cismou com "as viuvinhas". O que é isso? Seria apenas criação de um cérebro doentio ou coprodução com a ex-Ninfo do 108? Austregésilo conjectura de onde ela havia tirado isso. A narrativa dizia que ele estava se encontrando com "elas" no Bar do Arlindo. As provas eram inúmeras, as amigas juravam ter visto Austregésilo ali com três piriguetes. As vivaldinas tomavam álcool e fumavam sem parar, que nem o povo do Fuscão Preto, lembra disso? Uma conhecida vai mandar as fotos pelo Zap, a qualquer pedido de provas da parte contrária. Até recentemente, não havia histórico de piriguetes viúvas no bairro, especializadas em destruir lares felizes. Arlindo, trinta anos de histórias de bar, provoca Tregê:

- Será que estão se referindo às viuvinhas migratórias?

- Viuvinhas? Migratórias?

Arlindo usa seus conhecimentos:

- Claro, existe a lenda de que certas andorinhas fogem do inverno dos Estados Unidos, seguem rumo ao sul, passam pelo Brasil e vão até a Argentina. Ao passar por aqui, muitas pousam, se transformam em mulheres fatais e roubam marido brasileiro. Enquanto se organizam para atingir seus objetivos espúrios, tomam cachaça no meu bar. Faz sentido? Pergunta pra ela.

Tregê deu uma risada gostosa, mas não estava disposto a enfrentar a onça.

Se ficou curioso/a, leia "A ninfo do 108":

https://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/6648728