"El Violetero" espanca a patroa
Vende flores na noite há quase trinta anos. Começou adolescente e não era só pelo ganha-pão de quem não tinha estudado. Havia um "plus" embutido: estar sempre envolto em perfume, mãos, corpos e lábios de mulheres. Flores eram a isca, o caminho para tê-las por perto. Cores, aromas e nomes das flores estendiam-lhe tapetes nupciais.
Entre os turistas é "El Violetero", alusão ao filme e à canção "La Violetera", estrelado por Sarita Montiel em 1958. Garçons, flanelinhas, guarda-vagas, pedintes, moradores de rua, todos o conhecem e adotam o apelido, cada qual com sua pronúncia. A cidade, a cada dia, tem mais imigrantes estrangeiros, há crise por toda a América Latina. Entre os brasileiros ele é "Eu Violetero" e acabou. Não vão mudar nunca, sem chance, brasileiro não sabe dizer "el", só consegue "eu". Mas, se isso é relevante, falem com os professores de linguística, fonética e fonologia. It's their business.
Cansativa sua vida. Todas as noites a via sacra, de bar em bar, restaurante em restaurante. Nada de férias, 13° terceiro ou registro em carteira. Há alguns anos, um vizinho o orientou a virar MEI. Registrou-se, paga mensalmente e espera aposentar-se. Começa a sentir que envelhece, alguns sinais preocupantes aparecem aqui e ali. Já não dá pra esconder os cabelos prateados pelas noites de sereno, como diz a canção popular. Secretamente, que a esposa não saiba, uma ou outra aventura ainda acontece, lubrificada pela magia das flores.
Sua atividade exige atenção às modas do comércio e, ultimamente, aos novos costumes sociais. O empoderamento feminino é um deles. Recentemene, uma linda mulher comprou-lhe flores e ofertou a três rapazes que a acompanhavam num restaurante do centro. Teve que manter a compostura, não demonstrar curiosidade, é preciso achar tudo normal. Pensando bem, é assim mesmo. Novos tempos, novos dias, só questão de se acostumar. Aliás, os encontros amorosos não seguem mais os ritos do passado.
A condição fundamental para o sucesso na sua profissão é conhecer todo porteiro, seja de zona, boteco, bar, motel ou restaurante de luxo. Não importa o número de estrelas que tenha o estabelecimento, a fórmula é a mesma: conhecer, convencer, propinar e adular os porteiros até chegar ao consumidor no restaurante, no piano bar, essas coisas. El Violetero viu namoros, noivados e casamentos se inciarem, prosperarem e acabarem durante sua jornada interminável por aquelas ruas tão conhecidas. Aprendeu que nem todo divórcio significa menos flores. Há uma sequência lógica: flores no início, flores no meio e flores no início ... de outro namoro. Ninguém segura o Amor e "love's everywhere", diz a canção popular.
El Violetero, às vezes, esquece da confidencialidade de seu trabalho e puxa conversa com um conhecido. Esse está acompanhado por uma mulher e demonstra intimidade com 'El Violetero". A acompanhante, seja dama da noite ou namorada, reage negativamente. Acredita ser a primeira e única a ganhar um buquê. A intimidade do acompanhante com o floreiro aciona seu desconfiômetro (como, de onde e por que se conhecem?) e isso pode atrapalhar a venda. O oposto também ocorre. Por mais intimidade que tenha com uma freguesa, nada de sorrir ou tratá-la com liberdade, a não ser que esteja sozinha. Prejuízo certo: o ofendido desconfia de chifres, hoje ou no futuro, e não faz negócio. Falta de malícia do vendedor que o tempo, paulatinamente, corrigiu. Com turistas pode até brincar, mas, com gente da região, ser discreto é questão fechada.
A última notícia sobre "El Violetero" surpreendeu a muita gente: foi preso por espancar a própria mulher. Os portais de notícia exploraram impiedosamente o infortúnio do floreiro, especulando sobre possível aventura extraconjugal, de um ou de outro. A mulher disse à imprensa: "a delicadeza das flores que passeavam por aquelas mãos não combina com a fúria do ataque." Visualizações e likes inundaram os canais de fofoca. O aspecto onde mais se concentrou a notícia é o fato de que o delegado do caso, solteiro e boêmio inveterado - seu freguês - fez uma pergunta que "El Violetero" respondeu com silêncio impassível. A indagação virou manchete: - Quem vende flores pode espancar?