O quarto
Decidiu escrever. Ou era isso ou nada. E ele tinha pavor do nada.
Enquanto escrevia (e por isso escrevia) pausava o presente e vivia as lembranças. Viu o filho aprendendo a andar de bicicleta sem rodinhas, brincando de se esconder para ser encontrado e ganhar um abraço apertado, brincando de caça ao tesouro, de bola, de pipa... Viu o filho lhe entregando um papel com garatujas de um pai e de um filho. E viu outros papéis com “eu amo o papai” com experimentos de letrinhas. Viu isso e mais, muito mais.
Uma mosca chata lhe zumbiu realidade nos ouvidos sonhadores de passado. Acordou. Ouviu a televisão falando sozinha - uma máquina ignorando o silêncio da vida. Levantou-se para olhar a porta fechada do quarto do filho. Frieza de madeira. Frieza de tudo. “Em que dia do passado parou o meu filho?”, foi o que pensou. Suas ideias lhe gritaram a fala áspera do filho “continua me enchendo pra ver uma coisa”. “Meu filho morreu em vida. Também eu morri”, lamentou lutos.
A vida do filho cabia toda entre quatro paredes, uma cama, uma mesa, um violão, roupas, alguns livros, material de escola.
Queria arrancar as correntes do filho e fazê-lo respirar fora da caverna. Tentou palavras, muitas. Tentou estratégias várias. Mas ainda havia o que fazer. E está decidido a fazer. Não desistiu. Não vai. Mas se deu ao terapêutico direito da tristeza. E de escrever.
Lá no quarto está alguém perdido de presente, um desconhecido das memórias do filho carinhoso. É um jovem que precisa ser conhecido e amado sem qualquer máscara.
Decidiu escrever. Mas as palavras foram muitas para uma lápide. Secou as lágrimas do luto da criança e do adolescente das lembranças. Agora tem vivo lá no quarto um outro alguém do presente. Parou de escrever. Foi ao quarto. Olhou a porta fria. Girou a maçaneta…