Zezinho, o professor esforçado

Zezinho sempre tirava as melhores notas da turma, e formou-se Bacharel em Ciências Sociais com louvor e homenagens. Não que fosse um gênio. Era inteligente, sim, acima da média, mas sobretudo estudava como verdadeiro “cu-de-ferro”. Tinha aprendido que todos temos que nos esforçar ao máximo e correr atrás dos nossos sonhos. Era, então, o cara mais esforçado do mundo.

Diploma embaixo do braço, curriculum vitae caprichado, lá foi ele para o mercado de trabalho. Estava casado, tinha um filho de dois anos, e a esposa estava grávida do segundo rebento. Precisava desesperadamente de dinheiro para as despesas da família.

Foi à luta. Na oitava entrevista de emprego o diretor de uma faculdade particular ofereceu-lhe a vaga de professor de Filosofia. A única condição era que deveria ensinar a teoria criacionista segundo Santo Agostinho e São Tomaz de Aquino.

— Mas isso é muito ultrapassado. Sugiro ensinar as teorias metanímicas do Falun Dafa – disse Zezinho.

— Faldum o quê?

— Falun Dafa, um sistema de autodesenvolvimento espiritual que valoriza a tolerância, a verdade, a benevolência, e proporciona ao praticante assíduo um estado especial de felicidade.

— Já entendi. Nada disso. Nossa faculdade é uma escola para vencedores, não ensinamos essas coisas sem valor. Se você quiser o emprego terá que ensinar a teoria criacionista segundo Santo Agostinho e São Tomaz de Aquino.

Zezinho já ia mandando o diretor praquele lugar, mas lembrou-se que precisava desesperadamente de dinheiro e que todos temos que nos esforçar ao máximo para realizar os nossos sonhos. Engoliu em seco e falou:

— Tudo bem, senhor diretor. Quando eu começo?

— Ah, eu ia esquecendo. Nós pagamos a metade do piso salarial do professor. Nossa instituição está apenas começando, tem poucos alunos e mal conseguimos cobrir as despesas...

Zezinho já ia mandando o diretor praquele lugar, pois jamais se submeteria a uma afronta dessas. Mas lembrou-se que precisava desesperadamente de dinheiro e que todos temos que nos esforçar ao máximo para sustentar a família e realizar os nossos sonhos. Então, fez mais um esforço, engoliu o orgulho e aceitou.

Zezinho sempre tinha sido muito esforçado e rapidamente acostumou-se à rotina de professor que ensina a teoria criacionista. Para aumentar seu número de aulas, passou a ensinar também as cinco provas da existência de Deus, o dogma da virgindade de Maria Mãe de Deus e outros temas escolásticos bem ao gosto do diretor da faculdade. Quando chegava em casa, cansado, brincava um pouco com as crianças e ia ajudar a esposa nas tarefas da casa, pois ela também trabalhava fora e, mesmo juntando o salário dos dois, não podiam pagar uma empregada.

Quando acordava pela manhã, bem cedo, corria para o computador para investir em bitcoins os caraminguás que economizava. Nos finais de semana, ia passear nos parques públicos da cidade, onde a família podia divertir-se durante algumas horas sem gastar muito dinheiro. Todos os dias, de segunda a sábado, depois que as crianças e a esposa iam dormir, Zezinho ligava seu notebook e fazia as leituras e anotações do mestrado online. Ia dormir às 02:00 hs da madrugada. Desse modo, em poucos anos fez mestrado, doutorado, diversas especializações. Sempre ganhando metade do piso salarial do professor de sua categoria.

Um belo dia, depois das aulas, estava indo para o ponto de ônibus e viu o diretor saindo da faculdade numa Mercedes-Benz GLC AMG 4.0 turbo. Chegando em casa, na hora de dormir, ficou pensando: “Como ele consegue comprar um carro de R$ 790 mil com o lucro de uma faculdade quase falida que não pode pagar o piso salarial aos professores?”

Estava ficando com raiva do cara, pois jamais seria hipócrita como ele. Desejava pedir demissão e mandar o diretor às favas, mas lembrou-se que não devemos ter inveja do sucesso dos outros, e sim nos esforçar ao máximo e correr atrás dos nossos sonhos. Na manhã seguinte, acordou indisposto, pois tivera pesadelos a noite inteira. No entanto, lembrou-se que era o sujeito mais esforçado do mundo, respirou fundo e foi à luta.

O tempo passou e, um belo dia, estava na sala dos professores tomando cafezinho quando espontaneamente e sem pensar disse:

— Acho linda a SUV do diretor. Um dia eu vou ter uma igual. Nem que tenha que matar um colega pra tomar o lugar.

Obviamente Zezinho não pretendia tornar-se assassino, "matar" era apenas uma figura de linguagem, um modo de dar ênfase ao expressar a intensidade do seu sonho. O diretor casualmente ouviu e, mais tarde, chamou Zezinho para conversar na sua sala.

— Tenho notado o seu esforço. Você é um vencedor por natureza. Gosto disso. Tenho uma proposta para lhe fazer. Quero que você seja meu coordenador pedagógico. No começo você mantém todas as aulas, acumula o novo cargo, e no ano que vem te dou um aumento substancial.

Zezinho refletiu um momento e respondeu:

— Não posso aceitar. A despesa da minha família aumentou muito e estou acertando umas aulas na Faculdade de Artes, nas minhas folgas. Com metade do trabalho que tenho aqui, lá vou ganhar quase o dobro.

O diretor então desejou-lhe boa sorte e encerrou a conversa. No dia seguinte, logo cedo o diretor chamou Zezinho para conversar novamente e ofereceu-lhe um aumento de 30% pelo cargo de coordenador.

— Conversei com o financeiro e decidimos que ano que vem poderemos te dar mais 30%. Está bom assim?

Zezinho refletiu, ponderou, calculou, engoliu o orgulho e aceitou. Em seguida, na primeira folga, correu até a Faculdade de Artes e pegou algumas aulas de professor substituto.

Alguns anos se passaram e Zezinho e a esposa já tinham seu apartamento próprio. No entanto, esse ainda não era o seu sonho. Para comprar um carro de R$ 780 mil ele precisava ganhar muito, muito, muuuuuito mais. Pensou no assunto, pensou, pensou e decidiu que se tornaria dono de faculdade. Seria uma faculdade diferente, onde os alunos aprenderiam a se tornar vencedores. Nada de teorias ultrapassadas como a teoria criacionista.

Começava uma nova etapa na vida do Zezinho, o professor mais esforçado do mundo. Pediu demissão, juntou os investimentos dos bitcoins, alugou um prédio. Conseguiu as licenças necessárias, anunciou o início das aulas, começou a matricular alunos.

Tudo corria maravilhosamente bem. Tudo pronto para iniciar o ano letivo, faltava contratar os professores. Zezinho recebeu o primeiro candidato. Analisou o currículo do jovem e iniciou a entrevista:

— Então, sua área é Ciências Sociais. Preciso de um professor de Filosofia que ensine os princípios metanímicos da "Master Mind" de George Washington, Benjamim Franklin e Thomas Jefferson, usado no século XX por Napoleon Hill, Sunita Pattani e Joseph Murphy: primeiro vencer a si mesmo, depois vencer os obstáculos interpostos na jornada pessoal.

— Mas isso não serve para desenvolver a consciência social – respondeu o jovem. Sugiro ensinar o método científico do materialismo histórico reinterpretado por Gramsci.

— Nada disso. Esta será uma escola para vencedores, não vamos ensinar essas coisas antinacionais. Se você quiser o emprego terá que ensinar os princípios da "Master Mind".

O jovem professor fechou o semblante, bufou, pensou alguns segundos, coçou a cabeça, esfregou o nariz, engoliu em seco, respirou fundo, fez o maior esforço da sua vida e falou:

— Tudo bem, senhor diretor. Quando eu começo?

— Ah, eu ia esquecendo – disse Zezinho. — Nós pagamos a metade do piso salarial do professor. Nossa instituição está apenas começando, temos poucos alunos e quase não conseguimos cobrir as despesas...

Para seus botões, Zezinho disse, em pensamento: "...senão, como vou encher o tanque do meu carro, com a gasolina a oito reais?"

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 24/12/2023
Reeditado em 24/12/2023
Código do texto: T7960700
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