As Mãos da Minha Mãe
22.12.23
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Minha mãe fazia um “apfelstrudel” maravilhoso, de massa fina e recheio delicado de maçã, típico doce alemão. Eu adorava, e nesta época do ano, Natal, era comum tê-lo em casa. Não cheguei a acompanhar a sua execução, mas sabia ser trabalhosa, pois ela fazia tudo, da massa ao recheio, com suas mãos hábeis e pequenas.
Então, coincidentemente minha mulher me convidou para ir à casa de uma amiga para aprender a fazer este doce. Fui curioso.
A casa dela ficava perto da nossa, nos fundos de terreno estreito e comprido. Abriu o portão de correr automático e entramos com nosso carro naquele longo corredor.
Recebeu-nos junto à porta de entrada. Era idosa e baixa, de cabelos grisalhos curtos, com as sobrancelhas desenhadas a lápis preto, olhos azuis cristalinos e pele branca. Uma senhora de origem germânica, muito comum aqui na ilha. Lembrou-me minha mãe.
Cumprimentamo-nos e fomos para a cozinha. Lá, os ingredientes já estavam separados e nos esperando. Começaríamos por descascar as maçãs e cortá-las em pequenas fatias finas, como ela nos mostrou fazer. Seus modos eram delicados e lentos, caraterísticos das pessoas mais velhas. Ao vê-la manuseando a faca com suas mãos pequenas cortando a fruta, veio-me a lembrança da minha mãe:
-Ela tem as mãos iguais às dela. A mesma forma de pegar, segurar e usar a faca, incrível – pensei!
Vendo-a, voltei à época de menino, visualizando na memória minha mãe na cozinha preparando o molho de tomates com “brajolas” – bife rolê recheados com pedaços de cenoura e bacon, cortando-os com o uso da faca da mesma forma como agora fazia a senhora. Pronto no panelão de alumínio inundava a cozinha com seu cheiro agridoce. Eu pegava um pedaço de pão e o enfiava todo no molho denso e aromático, lambuzando por inteiro a minha boca. Era uma delícia.
Na época do Natal, ela se esmerava, fazendo, por exemplo, lombo de porco com molho de laranja; arroz com champignons ou amêndoas e o inigualável salpicão de galinha. E, de sobremesa, “apfelstrudel”! Suas mãos eram divinas para a cozinha.
Antes de cearmos, eu e minha irmã cantávamos em alemão, junto à árvore de Natal, a música “ O tannenbaum”, e depois sentávamos à mesa com as deliciosas comidas nos esperando. Saudades!
Comecemos a cortar as maçãs sob o olhar da senhorinha, e em dado instante, disse apontando para um pedaço grosso que fiz:
-Está uma tora! Tem que ser menor – repreendendo-me de forma firme.
Ao ouvi-la, visualizei novamente minha mãe, pois tinha também esta postura de fazer tudo certo. Minha mulher riu e disse uma frase em alemão para a amiga:
- “Alles genau”!
Curioso, perguntei o significado do termo:
- Tudo exatamente, ou tudo certo como tem que ser, como todo alemão faz! – respondeu incisiva.
-“Ja, alles genau!” – confirmou a amiga firme . Igual a minha mãe!
Ela foi mostrando como fazer a massa colocando os ingredientes na batedeira, depois abrindo-a e esticando-a com as mãos, como fazem os “pizzaiolos” e aberta sobre uma toalha, espalhou os pedaços de maçã salpicando canela sobre elas. Ao final, enrolou-a usando a toalha, resultando em um enorme charuto e levou ao forno. Cozido, comi um pedaço e estava ótimo, tenro e saboroso. Mas, o da minha mãe era melhor. Foi uma tarde de ótimas recordações e aprendizado.
É provável que o faça para a ceia de Natal deste ano, mas não com a habilidade e delicadeza inigualáveis das mãos da minha mãe.
E ,"alles genau"!
Feliz Natal!