Conto De Natal

Dentro do carro de luxo Arthur se sentia perdido. Dante, o motorista olhava pelo retrovisor e via lágrimas brilhando nos olhos do patrão. Orgulhoso que era, certamente não as deixaria cair. Rodavam pela cidade sem rumo. Era o primeiro Natal depois do conturbado divórcio. Estava longe dos filhos. Completamente sozinho na noite de Natal.

Praticamente não tinha amigos pois sempre pensava que todos se aproximavam dele por dinheiro. Não tinha mais família. Não queria voltar pra casa pois a solidão o assombrava e apavorava, principalmente em uma noite tão significativa.

-Dante, o que é o Natal pra você?

-Eu gosto do Natal, patrão, a família reunida, alegria, festa. Se não estivesse trabalhando estaria lá com minha família e amigos. Estão todos reunidos, festejando.

-Deve ser muito bom. Eu nem tenho pra onde ir. E não quero voltar pra casa pois a solidão vai me abraçar e eu odeio a solidão. Tenho medo dos meus fantasmas.

-Engraçado, pensei que o senhor tivesse muitos amigos.

-Nem amigos e nem mais família.

-Eu bem podia chamar o senhor pra passar o Natal em minha casa, mas é casa de pobre. Talvez o senhor até ache que é muita ousadia minha convidar um homem fino e rico como o senhor pra casa do motorista.

Arthur ficou calado. Continuaram rodando pela noite. Depois ele disse.

-Você gostaria muito de estar com sua família, não é, Dante?

-Sim, mas preciso trabalhar. Minha mulher e eu trabalhamos muito para ter um pouco de dignidade e dar o que podemos aos nossos três filhos.

-Se você me convidar, podemos ir até a sua casa. Ai você comemora com sua família. Daqui a pouco você me leva pra casa e volta pro seu Natal.

-O senhor está falando sério? Tenho medo do não se sentir bem. É tudo muito simples.

-Você não disse que me convidaria?

-Se o senhor quer…

Dante estava constrangido. Sabia que o patrão vivia uma vida de luxo. Ao chegarem Arthur viu o quanto a casa era simples. Caixas de isopor mantinham a cerveja e refrigerantes gelados, os convidados chegavam com pratos prontos que iam compartilhar na ceia. A casa estava cheia e ele se sentiu um tanto deslocado naquele ambiente tão simples e descontraído.

Pela vida a fora ele aprendeu a ser arrogante, autoritário e egoísta com o pai e a ser requintado, refinado e sofisticado com a mãe. Sentiu-se como um peixe fora d’água.

A esposa de Dante olhou com desagrado e o chamou de lado:

-O que seu patrão está fazendo aqui? O que está acontecendo?

-Ele está muito solitário e eu convidei pra comemorar com a gente.

-Que idéia, Dante. Vai estragar nossa festa. Esse cara arrogante e de nariz empinado. Todo mundo vai ficar sem graça. E ele vai achar um horror.

-Daqui a pouco ele pede pra ir embora. Veio só por educação.

A princípio todos ficaram constrangidos e sem saber como agir.

Arthur observava tudo. Não conhecia aquele mundo. Nasceu em berço de ouro e em seus quase cinquenta anos de vida nunca conheceu a pobreza. Tudo pra ele era novidade e algumas coisas ele achava inconcebíveis e torcia o nariz.

Aos poucos todos foram se soltando pois estavam em seu ambiente.

Ofereceram bebida a ele. Ali não tinha as bebidas a que ele estava acostumado.

Vinhos importados, champanhe francês, uísques caríssimos.

Ofereceram cerveja. Ele provou. Pensou que nem era tão ruim assim.

Começaram a conversar com ele. Ofereceram salgados que ele sabia que existia, mas que nunca provou. A princípio ele torceu o nariz, mas provou.

Todos, em sua simplicidade, conversavam com ele. Ele foi se soltando e começou a observar como aquela gente era feliz com o pouco que tinha.

Todos conversavam alto, riam, comemoravam o Natal e a vida com alegria genuína.

A toda hora alguém lhe oferecia bebida e comida e ele pensou que ele nunca dividiu o que lhe sobrava e eles dividiam com ele o pouco que tinham com alegria e prazer.

As crianças ficavam alegres e entusiasmadas com os presentes baratos que recebiam.

Pensou que seus filhos nunca estavam satisfeitos com nada e sempre reclamavam e queriam mais.

Serviram a ceia e ele viu aquela comida simples que nunca comeu. Ele se serviu da maionese barata, carnes com gordura, farofa e outras iguarias estranhas ao seu mundo.

Com uma certa resistência ele experimentou. Pensava que não podia fazer uma desfeita. Aos poucos começou a achar comida saborosa.

Todos já o tratavam como um deles embora ele não conseguisse se sentir assim.

Ele foi ficando e se sentindo acolhido e inserido no meio deles.

Contavam casos, riam, ouviam música alta e que não era de seu gosto, se abraçavam como ele não estava acostumado. Nem se importavam se ele estava vestido com roupas de grife, caríssimas, se seus sapatos e colônia de finíssimo gosto custavam mais que o salário deles.

Se ele estava ali, era amigo e bem recebido.

Em casa ele pensava na noite que tinha acabado de viver.

Nunca passou pela sua cabeça que uma festa de gente pobre podia ser tão alegre, divertida, farta e cheia de espontaneidade. Pensou nas festas em seu meio sempre tão formais, requintadas e até certo ponto cheias de falsidade e ostentação. Pensou no quão sem graça eram.

Pensou na alegria com que aquela gente partilhou a festa com ele e sentiu vergonha de sua sovinice.

Pensou na arrogância e autoridade com que agia sempre e imaginou se algum dia conseguiria mudar e adotar uma atitude mais humilde e humana. Talvez nada mudasse. Mas pode ser também que conseguisse.

Talvez esse Natal encantado pudesse fazê-lo aprender a compartilhar um pouco e não apenas juntar.

Pensando em tudo isso ele adormeceu prometendo a si mesmo ser uma pessoa melhor.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 19/12/2023
Reeditado em 21/12/2023
Código do texto: T7957616
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