Do Varandão da Vila Maria
O casarão da fazenda com o escrito: Vila Maria -1914. Fora o ano da graça do Senhor que, de acordo com os cronistas, a empreitada havia encerrado. No varandão, era possível alcançar o mundo, sorver a fresca leste soprada do mar e ouvir o chalrar de pássaros diversos. O mugido da vacaria ao longe, tangida para apartar os bezerros no curral. Um cão latia soturno. Ao longe, alguém cantava uma canção qualquer, que pela distância não era possível discernir.
Vila Maria e seus residentes, empregados nos vastos cafezais. Ainda o império do “ouro negro”, que povoava grandes espaços, topando com restingas de matas e alagados. Avançava sem qualquer cerimônia e o grande secador se via coalhado dos grãos a secar. A tarde caia e um sol dourado no poente deitava as últimas harmonias de um dia, uma semana, um sábado. As compras eram feitas na venda da fazenda. Alguns moradores não via moeda corrente, pois trocava os serviços por sortimentos diversos. Uma caderneta era metodicamente atualizada com os lançamentos feitos. E se vivia numa pobreza, que apesar de tudo tinia de alegre. O sábado era recebido de peito aberto, e as quartinhas de aguardente, vinho carreteiro, temperada e batida de limão se revessavam no balcão da venda de duas portas iguais. Se planejavam caçadas, pescarias, passeios e cachaçadas. Banho de açude e pândegas de toda sorte para se aproveitar as horas domingueiras. As mulheres, mais religiosas se organizavam para seguir cedinho para a Missa e na volta entrar também na bebedeira. Enfim, viver o tempo livre, fazer parte da vida, espairecer diante de tantas lutas humanas apreciando os momentos pequenos de prazer.
Da varanda o fazendeiro via tudo. Olhar distante, no horizonte. Contemplava o sol a se despedir e por fim deitar-se por inteiro por detrás das montanhas. Observa sua gente a relaxar, tomar banho de açude, conversando alto na venda. Não faz questão. Até sente um pouco de inveja de, em sua posição não poder colocar pra fora essa natureza festeira inata humana. Mas, é o dono, deve manter a ordem. A esposa se aproxima e silenciosamente escuta os pensamentos do senhor de suas terras e seu coração. Se alegra em ver a alegria do fim de sábado, com todas as coisas se ajustando para uma merecida pausa. Contempla e rende graça a Deus por todas as coisas, até as dores, tão necessárias para pôr rédeas às liberdades humanas. Se aconchega ao marido e eleva o coração na ditosa cadência de uma prece silenciosa. Sabe, que tudo vai passar, que suas vidas cessarão e outras pessoas estarão no varandão da fazenda com diversos propósitos. Quiçá existira casarão, varanda ou fazenda, como bem diz a lenda que o futuro somente a Deus pertence.
Na ditosa oração, Amém, até breve.