As Asas de Ícaro
Sebastião ficou olhando a foto. Carcumida pelo tempo, parecia peça de museu de tão velha, mas estava pendurada na sala de vó Amália como aquelas recordações que só gente velha tem. O homem alto, magro, cheio de couro e segurando um Parabelo sorria para ele. Ao lado, uma moça bonita carregando um bebê. Quem era? Ele não sabia, mas ficou tocado pela beleza agressiva do retrato.
"É seu bisavô Nato"
" Quem?"
"Nato, menino. Nome dele era Renato, mas o apelido no cangaço era Nato"
" Ele era cangaceiro?"
"Sim, ele era"
" Do bando de Lampião?"
"Que nada. Era do Bando de Corisco. Mas conheceu o Capitão"
" E a moça com ele é quem?"
" Dazinha, a mulé dele"
" E o bebê?"
" Seu avô Sebastião"
Os olhos brilharam de encanto. Vó Amália pegou a moldura frágil da parede e entregou ao menino, que não entendeu nada. Ela estava lhe dando a única lembrança que tinha do marido morto?
" Tu quer levar para ver se ajeita?"
" Como, vó?"
" Tu tá estudando para ficar mais burro, menino? Oxe"
" Eu não sei restaurar foto, vó. É caro fazer essas coisas"
" Eu pago! Quero deixar a foto bonita"
Olhando para o retrato nas mãos, sorriu. Não sabia como deixaria aquela foto bonita, mas daria um jeito. A vó lhe deu um tapinha no braço e arrastou o corpo para cozinha para preparar um café.