O Nascimento de uma Comunidade
Assim surgiu a comunidade do Morro de Santa Cruz
Quando descobriram o terreno baldio no morro o jovem casal já tinha três criancinhas pequenas que precisavam de um teto sobre suas cabeças e isso não dava pra ser conquistado lá de onde vieram. Chegou o saneamento básico, a pavimentação das ruas, lojas abriram suas portas, uma praça surgiu. De repente, a especulação imobiliária tomou conta, tudo ficou muito caro.
Pra garantir o teto era quase sempre necessário abrir mão do leite, da maisena e do franguinho de domingo. Morar e passar fome ou comer sentado na calçada, essas opções devoravam as noites de sono do pobre casal.
Havia um morro da antiga pedreira na Zona Norte da cidade completamente abandonado. Não morava ninguém, nunca se viu nada plantado, animal nenhum pastava. Jorge da conceição viu que ali ele tinha uma oportunidade
Ocupar o terreno foi a parte mais fácil. Incrivelmente não houve nenhum tipo de resistência, nenhum protesto de possível ou suposto proprietário. Ao bem da verdade parecia sim que ninguém se interessava por aquele pedaço de barranco que tão em breve chamariam de Lar.
O difícil em toda empreitada de ocupar o terreno foi arrumar o material para construir algum tipo mesmo que precário de habitação. Aquilo tudo era quase que uma terra virgem, um sertão enfiado dentro de uma cidade grande.
Lá se foi Jorge, Deolice com a bebê no colo e os dois pequenos carregando o que fosse possível morro acima seguindo a trilha aberta não por uso de ferramentas, mas sim pelas suas passadas continuas enquanto realizava-se o transporte dos madeirites, folhas de zinco, pernas de três e qualquer outro tipo de material que pudessem encontrar, juntar e fazer uso nessa nova construção. E de pouquinho em pouquinho fez-se uma pilha enorme de lenha e sobras de obras alheias, tudo material digno encontrado dentro de caçambas e montes de entulho próximos a região. Seu Jorge, que em algum momento de sua vida havia trabalhado como ajudante de carpinteiro percebeu-se capacitado para assumir o prumo da obra.
Jorge e Deolice acordavam bem cedo, antes de raiar o sol e lá iam pra cima do morro levando tudo que podiam carregar e o que lá em cima pudesse se transformar em parede ou teto. Carregavam comida que desse pra saciar a fome do trabalho pesado, levavam também as crianças consigo pois não havia com quem deixa-las.
O trabalho foi corrido por diversos motivos, mas o que mais os apressava sempre era a urgência do aluguel que já estava quase vencendo outra vez e não havia de onde tirar o dinheiro para paga-lo.
O fantasma de ir morar na rua levando sua família junto com ele pra sarjeta era parte importante da máquina que fazia com que Jorge trabalhasse com mais afinco, carregasse mais peso que suportasse, aguentasse ficar sem comer como se a fome já não o tivesse devorando por dentro. Ele já havia vagado pelas ruas sem teto algumas vezes em sua vida e sabia muito bem o grande perigo que os espreitava caso a empreitada de invadir e construir uma casinha naquele morro não desse certo.
Em quinze dias já havia um cômodo com banheiro instalado na clareira aberta na grota do morro. Lugar com uma mina d’agua e oculta o bastante pra não ser vista lá de baixo. Ali viveram isolados e tranquilos seus primeiros anos no morro. Com o tempo, se sentiram mais tranquilos e confortáveis para começar a expandir seus domínios plantando hortaliças, feijão, maxixe, quiabo e aipim. Fizeram um galinheiro e puseram três cães ligeiros pra tomar conta da nova propriedade.
Cercaram até onde foi possível com o rolo de arame que compraram e com a quantidade de moirões que conseguiram arranjar. Logo vieram surgindo novos ocupantes e quando menos se deram conta ali já havia uma pequena comunidade se formando.
Este pequeno conto foi publicado no meu primeiro livro de contos, “Contos Leves de Açúcar”. São contos que parecem leves, polvilhados de açúcar, mas que talvez possam ser indigestos ou causar insônia caso sejam consumidos à noite.
Dados do Autor
Luiz Reis, Seropédica-RJ
Nascido em 1984, Casado e pai em tempo integral de três pessoas lindas. Criado em Seropédica, interiorzinho da Baixada Fluminense, escrevo sobre a vida do Homem simples, do trabalhador do campo, do operário. Gosto de uma boa fofoca, de um causo bem contado. Cursei Ciências Sociais na UFRRJ e sou é o autor do livro O diário de um homem só, da coletânea de Contos Leves de Açúcar e do livro Depois do Tombo.
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