Não me Enfrente - Trovão
30.11.23
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Ernesto e Luzia se casaram um ano depois daquele inesperado e tempestuoso encontro na estrada. Estavam felizes. A tempestade não mais o perseguiu desde então. Parece que ela contribuiu para que ficassem juntos. Ernesto comentava este fato curioso para Luzia, que não acreditava.
-Sim querida, a nuvem escreveu para mim a mesma frase nas duas vezes em que a enfrentei, não é mentira não, juro pelo nosso filho que vai nascer. Depois destes encontros, fui promovido e a conheci no temporal na estrada, lembrasse?
-Só me lembro de que parecia o dia do Juízo Final, com aqueles raios, ventania forte e granizo caindo sobre o meu carro, destruindo-o como o seu. Não vi frase nenhuma nas nuvens. Acho que você estava delirando, querido – respondeu Luzia.
Moravam em apartamento na periferia da grande capital, amplo e arejado, em andar alto, do qual podiam ver toda a cidade ao fundo com o seu recortado de prédios e morros com matas. Era agradável viver ali. Estavam felizes, ainda mais agora com a chegada do primeiro filho. A vida era boa!
Nove luas cheias se passaram desde o inicio da gravidez, e como dizem, era hora de nascer o rebento. Ernesto estava aflito com o barrigão dela, pontudo, desconfiado que fosse um menino. Fizeram várias ultrassonografias, mas não quiseram saber o sexo. Queriam ser surpreendidos. Nomes, já tinham: Yara ou Jorge.
Luzia acordou pela manhã com fortes dores, as contrações, deixando Ernesto ainda mais aflito. As malas deles estavam prontas há tempos e era hora de irem ao hospital na capital. Uma viagem, pois pela distância e trânsito logo pela manhã, demoraria algum tempo. Antes, ele ligou para o médico informando do estado de Luzia e que saiam para o hospital.
Entraram no carro e partiram. Ernesto ligou o rádio para ouvir as condições do transito naquele horário, pois era quando todos iam para a cidade trabalhar, causando normalmente engarrafamentos demorados. Luzia se contorcia de dor a cada nova contração, ainda espaçadas. O radio dava a situação do trânsito, com a “normalidade” diária de tantos quilômetros de engarrafamento nas vias de acesso.
-Querida, vamos demorar um pouco para chegar ao hospital por causa do trânsito. Vou tentar fazer caminhos alternativos.
-Sim querido! Espero que as contrações se mantenham espaçadas para aguentar.
Chegaram à avenida tronco que ligava o bairro ao centro da cidade, totalmente parada para a aflição de Ernesto. A via de quatro pistas estava com carros e caminhões enfileirados, em um anda e para sonolento. Somente os ônibus nas faixas especiais da direita andavam. Ele resolveu ir por ela.
Acendeu os faróis e pisca alerta e começou a trafegar pela faixa exclusiva dos ônibus. A cada ponto de parada dos coletivos, ele tentava desviar para a da esquerda, com dificuldade, pois o fluxo de carros estava lento, ficando atravessado na pista, sob protestos dos outros motoristas. Ele acenava pedindo passagem mostrando sua mulher no banco traseiro. Os espaços entre as contrações diminuíam.
Então, repentinamente o céu começou a escurecer e o vento a uivar com força. O dia virou noite, as luzes da avenida se acenderam como a dos carros, e lampejos luminosos dos raios e estrondos dos trovões começaram a ribombar no ar. Ele espantado e atônito, murmurou baixinho:
-Ela voltou!
Novamente no negro cinza das nuvens, letras alvas como algodão começaram a desenhar letras formando a sua conhecida frase: “Não me enfrente!”
-Meu Deus, justo agora vem me causar problemas! Minha mulher está para dar a luz, não está vendo? – saindo do carro berrando para a tempestade.
Luzia no banco traseiro com as contrações a cada minuto uivava de dor, não entendendo o que acontecia.
A nuvem negra formou uma língua sobre ele, despejando um jorro imenso de água, fixando-o no chão. A tempestade iniciou furiosa, com o vento fortíssimo arrastando e empilhando carros e caminhões em uma das pistas, como que varrendo com seu sopro os veículos para o lado, formando assim uma avenida livre. Ele percebeu o que acontecia e com esforço sobre humano entrou em seu carro com Luzia berrando de dor, ligou o veículo e seguiu em alta velocidade pelo caminho que a tempestade abria a sua frente para chegar ao hospital. Sobre seu carro, a chuva era pouca, como o vento. A frase, tinha se dissolvido.
Conseguiram chegar à maternidade. Luzia deu a luz a um menino forte e sadio. Resolveram, então, dar o nome de Trovão ao menino em homenagem a agora amiga tempestade.
Ele não mais a enfrentaria. Luzia, agora acreditava em Ernesto.
** Sequência dos textos “Não me Enfrente” e “Não me Enfrente – Luzia” **