CICATRIZES DA ALMA

Foi uma semana estressante para Eduardo. Na realidade, todos os seus dias estavam sendo estressantes. Ele estava infeliz, nada mais o satisfazia. Apesar de já ter amado sua profissão, ele era diretor de um grande hospital na cidade de São Paulo, sentia-se desgastado, nada mais fazia sentido.

O casamento de Eduardo também não ia bem, ele mal conseguia manter um diálogo com sua esposa. Seus dois filhos o ignoravam. Para não enfrentar os problemas conjugais e familiar, Eduardo passava praticamente o dia inteiro no hospital. Ele afundava-se no trabalho para fugir dessa situação.

Nos poucos momentos em que Eduardo se permitia pensar, uma grande angústia tomava conta dele. Ele tinha medo dos seus pensamentos. Para ele, sua mente era sua maior inimiga, pois ela trazia à tona os demônios que Eduardo queria que continuassem presos.

Quando ele estava nesses momentos de reflexão, em sua mente ele via sua mãe com um homem a cada dia. Eduardo jamais conheceu seu pai, e as figuras masculinas que estavam presentes em sua vida eram homens rudes e inescrupulosos; Eduardo, certa vez, apanhou de um bêbado que sua mãe levou para casa. Sua mãe trabalhava como doméstica de dia e à noite complementava a renda prostituindo-se.

Quando Eduardo pensa acerca da miséria em que saiu, e se olha como diretor de um grande hospital, ele pensa que deveria se sentir feliz e realizado com isso. Até certo ponto ele se sente assim, mas os monstros que espreitam sua mente são mais ferozes do que qualquer alegria que ele possa esbouçar.

Ele já tentou ser feliz no casamento, lutou para formar uma família, uma que fosse diferente da qual ele viveu. Ele queria ser feliz, queria apagar os fantasmas do passado. Mas Eduardo logo aprendeu que esses fantasmas podem causar estragos para a vida toda.

Com toda essa carga esmagando-o, Eduardo decidiu que deveria pôr um ponto final em tudo. Para que continuar? Quem se importaria com ele? Seu serviço era importante, mas outra pessoa poderia muito bem assumir a vaga. Sua família já não se importava se ele ia ou não para casa. Quem se importaria com o filho bastardo de uma prostituta?

Então ele se decidiu. Era de noite, ele entrou no seu carro e foi até um viaduto. Sentou-se na borda e olhou para o movimento de carros lá em baixo. Ele ficou imaginando as pessoas voltando para casa, quantas delas eram de fato felizes? Quantas não estavam, assim como ele, somente fugindo da vida?

Ele estava tão perdido em seus pensamentos que não percebeu a chegada de um homem.

— Está perigoso você tão perto da borda. — Falou o recém-chegado.

Demorou um pouco para Eduardo perceber que o homem falava com ele.

— Eu me chamo Antônio, os amigos me chamam de Toni. Você quem é?

— Eduardo!

— Semana ruim, Eduardo? — Antônio perguntou, sentando-se também na borda do viaduto.

— Apenas estressante. — Eduardo respondeu laconicamente.

— Alguém que tenha uma semana apenas estressante não senta na borda de um viaduto.

— Desculpa, mas eu não o conheço. — Eduardo respondeu um pouco agressivo.

— Tudo bem, Eduardo! Não tem importância, mas eu acho que você deveria falar com alguém.

— Por quê? Qual diferença fará? — Eduardo respondeu com raiva.

Após perceber sua alteração, Eduardo se recompôs.

— Desculpa, não estou no meu melhor momento. — Disse Eduardo.

— Às vezes as pessoas chegam no limite, Eduardo. Nosso erro é achar que conseguimos suportar tudo sem pedir ajuda. Não conseguimos!

Eduardo permaneceu em silêncio. Antônio nada disse, apenas esperou.

Passado um momento, Eduardo disse:

— Eu estou cansado! Foi um dia cansativo.

— Quantos dias cansativos você teve essa semana?

Eduardo sorriu, um sorriso triste, que escondia uma profunda dor. Respondeu:

— Todos eles.

Novamente o silêncio. Antônio, após alguns segundos, falou:

— O que tem deixado você assim?

— Meu serviço é desgastante, tem me consumido muito.

— Quanto tempo você passa no seu serviço? — perguntou Antônio.

— Boa parte do meu tempo.

— Intrigante isso! Algo que te desgasta, é algo que você tanto se apega. É como se você quisesse que a coisa que mais te mata, te matasse mais rápido.

Eduardo ficou pensativo, digerindo as palavras de Antônio.

— Não tenho muito prazer em voltar para casa. — Confessou Eduardo.

— O que te tira esse prazer de voltar para casa?

— Ela não é como eu queria.

— E como você queria que ela fosse?

Eduardo ponderou um pouco antes de responder:

— Um lugar seguro, não um campo de guerra.

— Que guerra é essa que tem dentro do seu lar?

— Uma que eu não posso vencer!

— O que te leva a acreditar que não pode vencê-la?

— Porque estou lutando sozinho. Minha mulher não me ama, está ainda comigo por causa do dinheiro que ganho. Meus filhos nunca se importaram comigo.

— Você consegue perceber, Eduardo?

— O quê?

— Não foi sua esposa que deixou de te amar, não foram seus filhos que pararam de se importar. É você que está nesse viaduto, correndo o perigo de cair. Você deixou de enxergar as coisas que são importantes para você, acreditando que nunca foi amado.

O semblante de Eduardo revelava dor. Seu coração sangrava.

— Nunca conheci o amor de verdade, nunca conheci meu pai, minha mãe nunca prestou atenção em mim. Sempre fui eu contra o mundo, e eu cansei dessa guerra. Quero paz! — desabafou Eduardo.

— Até as piores guerras podem ser vencidas. Por mais que as bombas estilhassem as edificações, dos escombros podem surgir algo novo. Mas é preciso reconhecer e derrotar o verdadeiro inimigo: nós mesmos. A escolha é sua, Eduardo. Você não precisa lutar essa guerra sozinho.

Antônio desceu da borda do viaduto e, sorrindo, disse para Eduardo:

— A esperança é o que nos torna humanos, enquanto ela sobreviver em nós, haverá a possibilidade de tempos de calmaria.

Antônio entrou no seu carro e partiu.

Eduardo ficou repassando o que aquele homem lhe disse. Seus pensamentos vieram com a força de uma tempestade.

No entanto, pela primeira vez, Eduardo se permitiu molhar.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 27/11/2023
Código do texto: T7941600
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