O DELINQUENTE
Meu nome é Laslo. Tenho 16 anos. Passei esse curto espaço de tempo, desde o meu nascimento, existindo apenas. Como penso, com pesar, que fizeram bilhões de pessoas antes de mim, o que se sucederá, tragicamente com outros bilhões depois.
Por isso que eu, sem perspectiva de que grandes eventos ou situações, pudessem mudar esse cenário, propus a mim mesmo uma meta que pudesse mudar essa situação. Cujos efeitos poderiam até determinar o fim da minha própria vida. Eu queria me tornar um contraventor. Fazer algo proibído pelo frágil e imperfeito sistema que rege as ditas leis escritas pelos homens. Ainda não sabia o que era. Foi uma tarde que passei com a Thamires, que me deu o estalo.
— A gente vai de trem. É uma viagem de oito horas. Minha mãe insistiu para que eu fosse. Mas eu não queria. Que saco!
— Ah, não deve ser tão ruim. É fazenda, não é? Tem cavalos. Vacas. Você pode tirar leite e beber na hora.
— Ah, para. Deixa de tirar sarro.
— Não, ei — eu segurei as mãos dela, para passar confiança nas minhas palavras — eu não tô tirando sarro. Eu gosto. Queria estar no seu lugar. É muito melhor isso do que viver dentro dessa bolha tecnológica, desses alienados que acham que sabem muito e estão sempre certos. Esse mundo “moderno” é uma merda. Não é?
Eu sorri e nos beijamos. A tarde estava agradável. Ensolarada. Mas não quente. O vento soprava gentilmente entre os cabelos dela. E a forma como ela sorria, aquecia a minha alma. O protótipo genuíno de um amor, como uma sementinha esperançosa, germinava aqui dentro. E a parte que eu falei sobre o mundo moderno e o que eu achava dele, não era mentira.
Passei a semana seguinte focado em aperfeiçar a ideia, que como uma tocha acesa no meio das trevas, surgiu para dar entendimento e significado a esta pobre alma.
Seria simples. Não despenderia investimento financeiro, nem um plano ousado. Mas eu precisaria de um parceiro. Um cumplice.
— Então, você quer fazer isso? Mas que idiotice cara. A gente pode morrer. Onde viu isso? Em algum desses filmes idiotas, de jovens delinquentes, fazendo coisas idiotas?
— Escuta, Lúcio. É só pela adrenalina. Tá bom? Porra! Eu só quero me sentir vivo. Tá legal? Você tem mesmo 16 anos, qual é? Você parece o meu pai. Na real eu acho que se tivesse convidado ele, o coroa tinha é topado.
— Eu preciso pensar. Me dá essa noite. Amanhã eu te dou uma resposta. Eu só acho uma merda de uma ideia. Pô, maluco. Não podia ter pensado em algo melhor? Roleta russa, salto de para-quedas sem para-quedas? Mas isso? Eu vou pensar.
Nós rimos e nos abraçamos, com direito a tapinhas nas costas.
No dia seguinte o Lúcio não só tinha topado, como conseguido a caminhonete do irmão dele para o esquema. Disse que era pra sair com uma garota. Deixamos a escola juntos e partimos na caminhonete. Emparelhamos e eu saltei. A velocidade estava bem alta e foi difícil estabilizar a caminhote, de forma que permitisse o meu deslocamento para dentro do trem. Segurei na maçaneta de ferro da porta, que se abriu. O que teria me arrancado daquele vagão se não fosse uma resistência indômita de minha parte e uma ajuda de Lúcio, que abilidosamente manobrou a caminhonete para que meus pés encontrassem suporte para poder voltar, apoiados no teto do veículo.
Comecei a jogar as caixas da carga de sei lá o que, para dentro da caçamba. Teve um momento em que Lúcio perdeu o controle por não conseguir desviar de uma pedra e uma das caixas despedaçou-se, rolando pela estrada.
Superamos isso e como era a última caixa, sinalizei para que ele encostasse e eu pudesse pular para dentro da caçamba e saíssemos dalí. Paramos para eu retomar o lugar no assento do carona e disparamos, arrancando poeira da estrada e comemorando.
Mas é o que dizem, quando planejamos algo, devemos nos preparar para dar tudo errado. E foi quando surgiu Afrânio, o fazendeiro a cavalo, armado com uma espingarda e com sangue nos olhos. O maluco castigava aquele cavalo, o instigando a correr tanto, que insanamente eu cheguei a pensar que ele ultrapassaria o trem. Deu o primeiro tiro e Lúcio começou a zigue-zaguear, o que fez nós perdermos mais umas duas caixas daquelas coisas.
— Vamos entrar na plantação. Beleza? Se protege aí!
— O que? Eu disse. Mas depois, vendo tudo acontecer tão rápido, só me benzi.
Mas antes que pudessemos nos embrenhar pela lavoura de milho, o maluco do Afrânio acertou um tiro no ombro de Lúcio. O que fez com que ele perdesse o controle da caminhonete e capotássemos. De cabeça para baixo e agitado, ele sinalizava para o porta-luvas.
— Ali dentro. Pega. Use. Vai, rápido.
Era uma arma. Estava carregada. O homem apeou do cavalo e já nos alcançara.
— Espero que tejam morto, seus bandido. Pro bem docês é bom que teja.
— Eu dei um tiro na perna dele, o que o fez cair. Ouvi a arma dele cair também. E ele começou a xingar e gritar de dor.
Eu agi rápido e rastejei pra fora do veículo, suportando também a dor, pelos cortes dos cacos de vidros e ferragens expostas e perfurantes. O sujeito tinha pegado a sua espinguarda e tirado um cartucho do bolso. O enfiou no cano e se preparava para fechar e engatilhar, quando eu sorri e disse:
— Vai pro inferno, seu desgraçado.
Já era. Eu estourei os miolos do cara. Lúcio, descontrolado, ficava berrando sem parar: “O que você fez? O que você fez?” Mas eu não parava de rir, com o sangue fresco e quente daquele homem chucro, enxarcando o meu rosto. O tétrico banho de sangue, ao invés de perplexidade, provocou em mim, o que talvez pudesse ser comparado ao açúcar em uma criança. Senti euforia e frenesi e queria de novo. Sim, amigos. Achei o meu propósito. Foi para isso que eu nasci.