O Jardim
Era no nosso pequeno jardim que ela passava às tardes, cavoucando a terra com seus dedos finos, escolhendo as melhores sementes, regando o solo e as plantas em vaso. Eu agachada no chão ao seu lado a acompanhava com o olhar e tentava absorver seus gestos e suas palavras.
- As plantas sentem sede assim como nós, mas elas não podem beber água. Então a gente tem de dar água a elas.
- Quando esse canteiro ficar pronto teremos rosas vermelhas. Você gosta de rosas?
Eu balançava a cabeça em afirmativa.
- Elas são lindas mesmo, mas temos que tomar cuidado ao pegá-las por causa dos espinhos. Sempre tem de se tomar cuidado com os espinhos. Eles estão por toda a parte.
É, ela tinha razão. Agora ao tentar recolher uma rosa um deles me espetou. Olhei para meu dedo sangrando e chupei a ferida. A dor era muito mais forte do que o esperado e não era apenas naquele dedo, vinha do corpo todo. Tive vontade de morder o dedo para acabar com aquela dor, mas tudo o que consegui fazer foi ajoelhar na terra e ficar lá balançando o corpo com o dedo na boca. Meu irmão Marcos entrou com o pão debaixo do braço, correndo e deixando o saco de pão na mureta da nossa varanda. Voltou até mim e se ajoelhou na minha frente. Me deu um abraço apertado.
- Eu sei, eu sei. Para mim também dói.
Ficamos assim por um tempo, até ele se afastar e dizer:
- Vem, vou te fazer um chá.
Eu o segui como um ser autômato. Ao subir o degrau da nossa varanda me vi ali adolescente sentada naquele mesmo degrau olhando aquelas plantas e querendo ser como elas: não me apaixonando, não levando fora, não sofrendo bullying ou tendo de decidir qual faculdade fazer. Simplesmente ficar ali parada com alguém para cuidar de mim.
Minha mãe passou com o cesto de roupa e veio pelas minhas costas:
- Você sabe que as plantas não vão para a praia semana que vem, né?
Eu virei para encará-la e dei um sorriso. Nunca entendi como ela fazia isso.
- Ah, mais uma coisa. Já te contei por que as rosas tem espinhos?
- Essa eu sei. Para se proteger dos predadores.
- É, até elas tem de se proteger.
- Mas não precisavam atingir todo mundo.
- É, elas não sabem se você é um predador ou não. As pessoas também fazem isso quando tem medo.
“É mãe, eu tenho medo. Sou uma adulta, mas não sei como será sem você aqui.”
- Camila!
Olhei para a xícara que segurava em minhas mãos.
- Não vai beber?
- Desculpe. Estava longe.
- Sei que não será fácil sem ela. Mas ela não gostaria de ver a gente assim.
- Tem razão.
Me levantei de um pulo.
- Onde vai?
- Cuidar do jardim.