Sobre quintais

O mundo está um caos, a vida está pelos cacos.

Como um raio vou riscando as ruas cheias de gente levando o mundo nas mãos e nos ombros. Tanta gente e tanto ouvir.

Os sons, ah os sons... Ouve-me bem, amor, o mundo é um ruído.

A existência sopesa-me tanto quanto a bolsa que levo de lado - cheias de livros, livros carregados com o ego dos pensadores que só ali 'inda vivem. Homens e mulheres que não mais existem, salvo em ideias guardadas e impressas.

A gravidade existe tanto quanto sentimentalismo barato, luto e ideologias.

Tudo é abstrato até que se prove o contrário.

Virando numa dessas esquinas, olha quem vejo, é o Estevão, velho amigo. Sua roupa grosseira e suja rescende a folhas mortas e terra remexida, sua barba são grãos de areia grudados no suor do rosto. Suas unhas tem as cores do solo. Jardineiro por falta de melhor oportunidade, a mim ele sempre parece deslocado quando seus pés estão sobre concreto.

Aceno, chamo.

Venha cá homem, quanto tempo! Está corado, parece bem. Por que essa pressa? À frente só temos a velhice e a morte, a segunda mais afetiva e bem vinda, pelo menos pra mim. E como vai tua esposa? Há muito não vejo vocês, andam sumidos! Teus meninos devem estar enormes. Frondosos girassóis a correr pra luz, aposto. Que beleza! Que beleza!

Eu, tu sabe! Ando escrevendo, sempre sozinho, escrevendo como se pudesse prender o mundo na ponta do lápis.

Meu quintal está como sempre esteve, muito mato crescendo nos pés de paredes, muito limo e umidade entre as pedras, muita erva daninha se espalhando como infecções sobre a terra dura e fraturada, tantas cabeças de touro espinhosas correndo aquele campo de areia branca, uma manada deles e todos dispostos a se espalharem através dos pés feridos e tecidos rasgados.

Os muros são frágeis e baixos, fracas fronteiras que nunca deixaram de ser.

Os buracos inter-paredes estão lá para os olhos que quiserem ver. Pouco uso tem pra mim. Conversas ralas passam por ali entre eu e alguns vizinhos. Mas, não me parece útil vigiar o capinzal alheio e deixar o mato-vivo se apoderar dos meus arredores, não faz sentido.

A mim mais importam as poucas flores que cultivo no que sobrou dum carrinho de mão, uma roseira sem brilho, algumas hortênsias, umas margaridas meio murchas e uma rosa do deserto; desde que estejam bem, eu estou bem.