Não me Enfrente - Luzia

12.11.23

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Tempo se passou desde aquele fatídico encontro, inesquecível e inimaginável, com a nuvem de chuva escrevendo-lhe: “Não me enfrente”!

Ele fora promovido, como esperado, pois souberam do seu acidente durante o temporal, impossibilitando-o de ir à reunião naquele dia para este fim. Estava feliz, dirigindo o carro da empresa para cidade no interior do estado, famosa pelo seu calor cáustico. Ouvia música em estação de rádio que dava notícias de hora em hora. Seguia absorto em seus pensamentos e admirando a paisagem. O dia estava claro e quente, com a temperatura alta. O ar condicionado funcionava muito bem, pois o veículo era novo.

- O que mais poderia eu querer? Promovido como gerente de vendas externas, com aumento de quarenta por cento no meu salário, carro novo, telefone e despesas de viagens por conta da empresa. Acho que tenho que agradecer àquela nuvem que me perseguiu naquele dia, pois sem o que ela me causou, nada disso teria conseguido – sorrindo pensou.

A rádio começou a dar notícias, inclusive sobre o tempo:

-A previsão do tempo para hoje no início da tarde na região Oeste do Estado é para temporais com rajadas de ventos de até 80 quilômetros por hora e possibilidade de queda de granizo. Não se descarta a formação de tornados nas áreas das planícies. O Instituto de Meteorologia alerta para possíveis deslizamentos de encostas e enchentes – disse o locutor com sua voz metálica e exaltada pela notícia.

-Caramba, estou indo na direção Oeste!

Então, veio-lhe à mente aquele terrível episódio com a enorme borrasca que enfrentou e lhe causou a queda e seu desfalecimento. E a promoção!

-Será que vou enfrentá-la novamente? – disse para si, ansioso.

Olhou o horizonte e nuvens começavam a se formar e a ventar forte .

-Não, não vai acontecer novamente! Aquilo tudo foi um delírio meu, com certeza - pensou acalmando-se ou enganando-se.

A cidade para a qual ia, estava a cerca de duas horas ainda de viagem. Os campos plantados e planos seguiam ao seu lado estendendo-se ao horizonte. Era bonita a região, toda cultivada e rica.

-Vou fazer ótimos negócios por aqui, com certeza – falou animado em voz alta!

Uma música que gostava começou a tocar e ele a cantarolá-la, demonstrado sua felicidade. Mas, o céu começou a escurecer rapidamente, e então, para a sua surpresa, aquelas palavras foram escritas, como da outra vez, no cinza quase chumbo de uma nuvem, em letras brancas bem delineadas: “Não me enfrente!”.

-Não é possível! De novo? O quê é que eu fiz?

Começou a bater no carro um vento fortíssimo, fazendo com que ele balançasse de um lado para o outro, obrigando-o a diminuir a velocidade. Era o prenuncio da tempestade.

O céu agora estava escuro, noite, com os clarões de inúmeros relâmpagos e estrondos de trovões, com alguns caindo muito próximos ao seu veículo. A chuva, ou tempestade desabou sobre ele. Enormes pedras de granizo espocavam na lataria e no teto do veículo. O barulho era ensurdecedor. O para-brisa dianteiro começou a trincar, o traseiro esmigalhou com o impacto das bolas de gelo do tamanho das de tênis. Estava com medo.

-Meu Deus, preciso me abrigar!

Então, viu um viaduto próximo, acelerando rápido para lá chegar. Uma enorme bola de granizo, quase um tijolo, espatifou o para-brisa dianteiro, fazendo com que ele perdesse a direção e o carro derrapasse na estrada, ficando nela atravessado. Viu um feixe de faróis vindo ao seu encontro, e apavorado, tentou ligar o carro. Não pegava!

Tentou várias vezes dar a partida e nada. Decidiu sair do carro e avisar ao outro acenando, mas a chuva era tão intensa, que nada se via. Os faróis a caminho também pararam a certa distancia dele.

Não conseguia ver o viaduto, o vento açoitava-o fortemente, e manter-se em pé estava quase impossível. Deitou junto a enxurrada de água volumosa que corria veloz e desenfreada no acostamento, já transbordando para as plantações. Ele começou a ser arrastado por ela, como aconteceu anteriormente.

-Não é possível? De novo tudo igual? Qual o motivo que tem para me atacar assim? O que é que eu fiz? – gritou alto e raivoso para as nuvens.

Inexplicavelmente a tempestade parou, como o vento. O céu começou a clarear e pôde ver o que ela provocou de estragos na estrada. Seu carro estava perpendicular ao eixo da via. Os faróis caminhantes um pouco mais atrás, também com o para-brisa dianteiro estilhaçado como o dele. Nele, uma mulher motorista apavorada, com os olhos arregalados e em estado de choque. Árvores desgalhadas e caídas nas matas e algumas sobre o leito da estrada. As plantações arrasadas e submersas, com um rio escoando pelas valetas laterais do acostamento com paus, folhas e alguns animais mortos. Cenas de guerra!

Ele alçou o olhar para as nuvens, e continuava escrito: “Não me enfrente!”.

Levantou-se e foi até o outro carro com a mulher em choque. Ela tremia de pavor. Ele começou a falar-lhe calmamente:

-Já passou minha senhora, está tudo bem agora. Vamos colocar o seu carro no acostamento – levando a mulher para sentar no banco de passageiros. Ele deu a partida e dirigiu o veículo parando no acostamento. A mulher balbuciava: Meu Deus, o diluvio do fim do mundo!

Depois, entrou no seu carro, ligou e colocou-o à frente do dela. Olhou para as nuvens, que foram para bem mais longe, mas ameaçadoras, como que o aguardando para um novo embate. A frase não existia mais. Ficou aliviado. Voltou ao carro da mulher.

Ela era jovem, não mais de trinta anos, e bonita, cabelos castanhos, pele alva e lisa, olhos verdes escuros, boca bem delineada e portando um corpo esguio e bem feito. Uma bela mulher, e pelo visto solteira deduziu. Ela se acalmara e seu olhar agora não era de espanto, mas tranquilo.

-Você está bem? – perguntou-lhe.

-Si, estou sim. Fiquei apavorada com a tempestade que passou por nós, que do nada se formou e do nada se foi. Muito estranho. Pensei que o fim do mundo chegara. Mas, você apareceu e me acalmou. Obrigado! – disse-lhe de forma carinhosa

-Por nada, eu também fiquei com medo. A tempestade acabou com os nossos carros. Veja o seu e o meu, parece quem saíram de uma batalha. Teremos que chamar o seguro.

-Sim!

-E, qual é o seu nome? –perguntou interessado na bela mulher.

-Luzia! E o seu?

-Ernesto! Prazer Luzia.

Eles chamaram o seguro pelo celular e ficaram aguardando. Conversaram sobre o que faziam, para aonde iam, e mais detalhes de suas vidas. Surgiu ali um clima de camaradagem, ou melhor, de atração entre Luzia e Ernesto.

Quem sabe a nuvem, ou a tempestade que perseguia Ernesto, não teria provocado esta inusitada situação e apresentado Luzia para ele? Quem sabe?

**Sequência do texto: “Não me Enfrente!” **

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 13/11/2023
Reeditado em 13/11/2023
Código do texto: T7930873
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