Soldados da pele
Fiquei pasmo com a intervenção do meu amigo, naquele dia, no bar do Reis, conversávamos sobre o tráfico de escravos e o racismo. Julinho tinha sido categórico na sua afirmação:
– Não existe racismo reverso – gritou Julinho – os brancos fazem racismo, mas os pretos não o podem.
– Então quando um preto trata um branco com descriminação, só por ser branco, não está a ser racista, ó Julinho? – Perguntou o Reis
– Não, ó Reis, desculpa-me lá por isso, mas vocês brancos é que são racistas, o preto só se está a defender.
As palavras de Julinho enchiam o Reis de indignação, chamar alguém de racista só por ser branco, quanta mesquinhez.
– Calma ó Reis, não me entenda mal, não generalizo a todos os brancos, você é branco Reis, somos amigos, eu sei que você não é racista.
– Porquê que pensas assim, que só pode ser racista quem é branco, achas que tratar mal um branco só por ser branco não tem nada de mais? Olha o meu avô, quando se mudou para cá, foi vitima de preconceito, achas que estes não são racistas?
– Tem, é desprezível, pessoa desse tipo metem-me nojo, mas, aquilo é apenas manifestação de ódio ou inveja, nenhum desse está com um complexo de superioridade em relação aos brancos, logo não há racismo nenhum, porque não há preconceito só ódio.
– Isso é que tu achas – disse Reis em tom de total de discordância, mas vendo algum sentido nas palavras de Julinho.
– Estás muito calado. Ó Cláudio, diz lá, não concordas comigo? – Perguntou Julinho virando-se para mim.
Continuei em silêncio por mais alguns segundos, fiz cara de quem estivesse analisar os pontos de vista.
– Diz lá Homem – interrompeu a minha pose o Reis – qual é a tua opinião sobre tudo, pode-se ser preto e racista ou pensas da mesma forma que o Julinho?
– Bem, se eu concordar com o Julinho, serão só dois pretos contra um branco, se eu concordar com você, Reis, ficarei só como um preto traíra. Deixo a minha opinião para quando for verdadeiramente necessária – conclui.
Os dois ficaram a olhar para mim com um espanto no resto pela minha resposta, provavelmente cada um esperava que eu apoiasse a sua posição, não é como sou, odeio ter que fazer juízo de valores sobre tal, me lembro de algumas ter lido que «ninguém é de uma raça, as raças são fardas que vestimos» foi Mia Couto que escreveu.
– Não, não, como assim Cláudio! ‘’Vais dar a tua opinião quando ela for verdadeiramente necessária’’, precisamos dela agora – gritou o Julinho.
– Vocês não precisam da minha opinião, cada um de vocês tem já sua opinião bem formada e não vai mudar só porque eu dei o meu parecer, e parem lá com isso, ficaremos aqui a discutir por horas e ninguém levará em conta a opinião de ninguém. Enxerguem mais, o mundo não se resume à raças de brancos ou de pretos, não podem ser só vocês a ter protagonismo na senda da vida. Há quem sofre de verdade por ser de uma raça, falo de qualquer raça, eu testemunhei uma menina branca que em tempos viveu no meu bairro sofrer do mais terrível preconceito por ser muito branca, e também me lembra de uma tia que esteve em Lisboa, e lá foi vitima de racismo e querem saber a minha opinião quanto a isso, nenhuma, não julgo raças, julgo pessoas ainda que Jesus Cristo me diga para fazer o contrario, uma pessoa não é racista por ser de alguma raça, é racista porque é mesquinha, odiar ou inferiorizar uma raça, é um acto de desgraça e miséria.