Ontem

A casa estava solitária sob a sombra das copas das árvores. Já não era a mesma da minha infância. Os beirais estavam deslocados, a pintura desbotada, o belo portão de ferro, enferrujado. Senti como se voltasse no tempo. Ignorei o aspecto sombrio que ela se tornara e empurrei a porta da sala que rangeu assim que a toquei. Fiz uma breve vistoria com o olhar e revivi por segundos o passado exitoso. Caminhei mansamente pelo velho soalho que ecoava o som de minhas pisadas. O latido de algum cão da vizinhança me fez relembrar do meu fiel companheiro Pinguim. Erámos felizes! Adentrei pela cozinha e subitamente tive a forte impressão de ouvir minha mãe me chamando. Virei-me e as paredes estavam desguarnecidas do armário que ali ficava suspenso. Não contive as lágrimas, fechei os olhos e cheguei a sentir o aroma do biscoito frito de minha avó. Notei que a um canto da varada a cadeira de balanço havia se desfeito no assento de palhinha. Agarrei-me a ela como se abraçasse minha doce vozinha. Sentei-me ali mesmo, no agora velho e encardido piso hidráulico que fora muito bem cuidado por minha mãe.

Olhei para o portão e revivi a chegada de meu pai, belo, gentil, e que trazia um presente para mim, a sua caçula. Meus irmãos do alto de uma árvore, observavam cá em baixo a beleza de um mar revolto ou uma aventura na selva de homens montados em seus cavalos, os cowboys do cinema. E minha irmã mais velha, já moça, se vestindo para ir ao cinema com o namorado.

Mas de tudo o que mais me emocionou foi relembrar o presépio que minha mãe fazia todos os anos e que jamais vi outro mais belo. Me abaixei naquele canto e me emocionei ao lembrar do menino Jesus na manjedoura.