“Boca de Pito”

07.11.23

503

Gosto de beber café fresco e o faço todas as manhãs. É delicioso o seu cheiro, do pó principalmente, como de chocolate e

de pão quente. Inigualáveis e inesquecíveis!

Temos também, a mania de guardar em uma garrafa de vidro com tampa, o café que sobra de um dia para o outro, pois é desperdício jogá-lo fora e minha mulher usa-o para “pingar” no leite. Esse costume adquiri com uma tia solteirona, que na época de estudante convivi bastante. Era muito querida e fumante inveterada.

Hoje cedo, como de costume, fui passar o café e vi que a garrafa do amanhecido estava cheia. Resolvi requentá-lo, colocando-o em pote menor e levando-o ao micro-ondas. Enquanto os segundos passavam, lembrei-me desta minha querida tia Vera, era o seu nome, irmã do meu pai.

Morávamos no mesmo prédio e andar, em quitinete com suas portas de entrada frente a frente. Vivi sozinho lá no tempo em que estudava engenharia. Fazíamos companhia um ao outro, geralmente no café da manhã. Ela batia na minha porta logo cedo, acordando-me. Ia ao seu apartamento, já com dois ovos cozidos prontos, café passado com seu cheiro envolvente e pão aquecido em forninho elétrico. Era delicioso nosso café da manhã. Conversávamos bastante. Ela, depois de tomar uma, duas xícaras de café puro e sem açúcar, já puxava um cigarrinho. Viciada contumaz!

Em um desses encontros matinais, abri sua geladeira e vi uma garrafa cheia com café velho. Perguntei-lhe curioso:

-Tia, a senhora toma café gelado?

-Sim, tomo para não ter que fazer um novo toda hora ,e o que sobra, guardo para não desperdiçar. O pó está caro.

-Entendi!

-E também, para fazer “boca de pito” né – completou rindo, sabendo eu ser este o maior motivo dela guardar o café antigo. Morreu de câncer no pulmão e não pude lhe dar o último adeus, pois estava morando no norte do país e não consegui voo a tempo do seu enterro. Fiquei bem triste com a sua morte. Foi como uma mãe para mim naqueles bons tempos. Era muito querida a tia Vera.

O micro deu o sinal de término e voltei ao meu café requentado olhando para a garrafa em que ele estava antes de esquentá-lo.

Saudades Tia Vera, do seu café “boca de pito”.